Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Rui Araújo

‘A última crónica do provedor (intitulada ‘Informação ou Sensacionalismo?’) motivou um pedido de resposta da editora da secção Nacional do Público, São José Almeida.

Meu caro Rui Araújo.

Fiquei e estou ainda perplexa com o que li na tua coluna de provedor do leitor hoje. Uma página a desfazer uma notícia que foi por mim editada na secção de que sou editora. Uma noticia sobre uma nomeação de um sobrinho do vice-presidente do STA para seu assessor. Concordo que o título e a chamada poderiam dizer que ele escolheu ou indicou o sobrinho. Agora o que me deixa perplexa são outras duas coisas. A primeira é que cedas à tese de que o que é prioritário em relação a essa notícia é a diferença entre ele ter escolhido e não nomeado. Ele escolheu um sobrinho, um acto que não é ilegal, mas é questionável do ponto de vista ético, por configurar uma situação clara de nepotismo. Não acredito, pelo que conheço de ti, que não consideres grave este tipo de comportamento da parte de quem ocupa lugares de Estado. Por isso não percebo que dúvidas é que a notícia te levanta quanto ao conteúdo. Houve uma nomeação de um sobrinho por escolha do tio para seu assessor, sem ter de ser submetido a provas para aceder a um lugar público. Mas o provedor acha grave que o PÚBLICO e a editora da secção em causa tenham posto em título que ele ‘nomeou’ em vez de ‘escolheu’ ou’ indicou para ser nomeado’. E considera que a editora é sensacionalista.

Resposta do provedor:

1- São José Almeida reconhece, portanto, que ‘o título e a chamada poderiam dizer que ele escolheu ou indicou o sobrinho’ em vez de ‘nomeia’ (como foi erradamente escrito).

A formulação correcta seria, aliás, ‘deviam dizer’ e não ‘poderiam dizer’: quem nomeia é o presidente; o vice-presidente apenas indica o nome. É um detalhe, mas no jornalismo as palavras, à semelhança dos factos são importantes.

2- Ao contrário do que afirma a editora nunca afirmei que esta imprecisão era prioritária. O que disse e repito é que se trata de uma das imprecisões que ilustram falta de rigor.

Exemplos: O título ‘TRIBUNAIS SUPERIORES – Vice do Supremo Administrativo nomeia sobrinho para assessor’ é duplamente incorrecto porque o juiz-conselheiro não nomeou ninguém (limitou-se a indicar simplesmente um nome) e, por outro lado, não se trata de um cargo de ‘assessor’, mas de secretário pessoal. É diferente…

Um assessor presta apoio técnico e um secretário pessoal ‘o apoio administrativo que lhe for determinado’. De resto, os títulos (de primeira página e da própria notícia) estão em contradição com o corpo da notícia em que o ‘assessor’ passa a ‘secretário pessoal’. Em que ficamos? Há ainda outras contradições:

3- Escreve o Público: ‘O juiz-conselheiro Domingos Brandão de Pinho, vice-presidente do Supremo Administrativo, nomeou o sobrinho, Tiago Filipe Brandão de Pinho, para seu assessor, sem concurso público. O Supremo Tribunal acha normal.’

A chamada, para além de repetir os erros contidos no título (‘nomeou o sobrinho’ ‘para seu assessor’) refere que a nomeação foi feita ‘sem concurso público’, omitindo que o referido concurso público não é necessário.

A omissão é uma forma dúbia de insinuar que devia haver concurso público. Isso não é informação. É opinião. A mesma opinião é erradamente repetida no final da chamada (‘O Supremo Tribunal acha normal.’). O Supremo Tribunal só constata o cumprimento do que determina a lei.

4- O provedor limita-se a perguntar se é legítimo questionar a honorabilidade de alguém que não violou a lei?

A editora da secção Nacional do Público confirma no seu pedido de resposta o receio do provedor: ‘(…) Ele escolheu um sobrinho, um acto que não é ilegal, mas é questionável do ponto de vista ético, por configurar uma situação clara de nepotismo. Não acredito, pelo que conheço de ti, que não consideres grave este tipo de comportamento da parte de quem ocupa lugares de Estado.’

São José Almeida defende que a escolha do sobrinho configura ‘uma situação clara de nepotismo’. É uma opinião. O provedor acredita que o Público optou inesperadamente pela presunção de culpa (baseada em opiniões) em detrimento da presunção de inocência.

Em contrapartida, os jornalistas não questionam a lei que permite tais situações.

O provedor contesta a forma pouco rigorosa como os factos foram narrados, a omissão de informação, a confusão entre notícia e opinião bem como a falta de enquadramento.

O Público errou. O provedor, por outro lado, nunca acusou a editora de sensacionalismo.

A editora escreve ainda:

Agora a segunda perplexidade. Por que razão não falaste comigo sobre o que ias escrever? Por que razão não fui informada de que o tema da tua coluna era os meus critérios de edição e de titular notícias? Por que razão, se o director do jornal fala de mim na sua resposta e me indica como responsável, não sentiste a mínima obrigação de me perguntar nada? Por que razão passaste por mim, mais concretamente pela minha secretária comigo lá sentada, me cumprimentaste até, mais de uma vez durante toda a semana e nunca achaste necessário dizer-me que ias escrever sobre mim? Não compreendo o que se passou. Apenas posso dizer que não acho ético da tua parte este comportamento. Sabes bem que o responsável pelo que sai nas páginas de cada secção do Público é o editor e que no caso do NACIONAL a responsável sou eu, já falaste comigo por outras situações anteriores e por isso devias ter falado comigo, agora. Mais: o director indica-me como responsável pela notícia e pões essa responsabilização no teu texto. Acho no mínimo bizarro que me acuses na prática de sensacionalismo, relativizes um acto de nepotismo num órgão superior do Estado, e não tenhas sentido a obrigação de me ouvir. Que eu saiba, quando se acusa uma pessoa é lhe dada a possibilidade de se defender. Ou não concordas? Por uma questão obvia de reparação pública do meu bom nome, solicito a publicação desta missiva na íntegra na tua coluna de provedor do leitor do PÚBLICO do próximo domingo. É o mínimo que podes fazer depois do que se passou

Resposta do provedor:

Perplexidade ou processo de intenções ao provedor…

A pergunta da editora (‘Por que razão passaste por mim, mais concretamente pela minha secretária comigo lá sentada, me cumprimentaste até, mais de uma vez durante toda a semana e nunca achaste necessário dizer-me que ias escrever sobre mim’) não faz sentido.

1- O artigo em causa só foi publicado na quinta-feira e o leitor só escreveu ao provedor na sexta, à hora de almoço. A editora reconhecerá que era difícil dizer-lhe ‘durante toda a semana’ que ia escrever uma crónica sobre um artigo (que ainda não tinha sido publicado) e um comentário de um leitor (que ainda não tinha recebido)…

2- Na sexta-feira permaneci no jornal escassos minutos. Só ao fim da tarde contactei por telefone e seguidamente por e-mail a jornalista Tânia Laranjo e o director do Público.

Só comecei a escrever a crónica na madrugada de sábado (agradecendo por e-mail a colaboração da jornalista às 03H05 e a do director às 03H56).

Mas esta informação é pouco relevante. O responsável da primeira página em causa (títulos e chamadas) era o director do Público e não a editora da secção Nacional.

José Manuel Fernandes reconheceu que tinha lido a referida chamada e reduzido o título da notícia (o provedor só contactou a jornalista para apurar detalhes técnicos sobre a elaboração do texto).

Não havia pois qualquer razão para contactar a editora.

De qualquer modo, a explicação ora facultada por São José Almeida só confirma o conteúdo da crónica do provedor da passada semana.

Escreve a editora: ‘Acho no mínimo bizarro que me acuses na prática de sensacionalismo, relativizes um acto de nepotismo num órgão superior do Estado, e não tenhas sentido a obrigação de me ouvir.’

Mais uma conclusão arreliadora. A editora considera a interrogação do título da crónica do provedor (‘Informação ou Sensacionalismo?’) uma afirmação…

O provedor não acusou a editora, que não devia sentir-se visada, porquanto o responsável pela primeira página é o director.

A opinião do provedor sobre o ‘acto de nepotismo num órgão superior do Estado’ (assinalado pela editora da secção Nacional) é irrelevante. Mais uma vez o que está em causa é exactamente o facto de se ter confundido opinião (que é livre) com factos que são sagrados.

A opinião de São José Almeida, partilhada pelo director do Público (com algumas nuances), é legítima, mas é só isso: uma opinião.

Os títulos, a chamada e a própria notícia contêm inúmeras imprecisões, omissões graves e contradições flagrantes. E lançam um anátema sobre um cidadão. É isso que o leitor denunciou e o provedor considera pertinente.

A editora invoca a ‘reparação pública’ do bom nome. É um direito que lhe assiste, reconhecido a todos os cidadãos, incluindo o vicepresidente do STA.

POST-SCRIPTUM: O facto de o provedor do leitor criticar este tipo de jornalismo (praticado acidentalmente no Público) não pode nem deve ser interpretado como a aprovação da escolha do vice-presidente do STA.

Enquanto cidadão considero que um alto funcionário não deve escolher um familiar para o exercício de um cargo na administração pública. Domingos Brandão de Pinho não violou a lei, mas descurou a ética.’