Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Sarkozy prefere os “cães de guarda”

 

Uma coisa é certa: se François Hollande for eleito presidente no domingo, dia 6 de maio, o sistema audiovisual público francês voltará a ser independente e a funcionar sem o controle total do presidente da República.

Apesar de a França não ser uma ditadura nem uma república de bananas, se o vencedor for Nicolas Sarkozy (contrariando as pesquisas de opinião que o apontam como vencido no segundo turno), tudo permanece como ele mesmo decidiu, isto é, o presidente da República continuará a indicar o presidente da holding France Télévision e das estações de TV, além do presidente de Radio France, que agrupa todas as rádios públicas do país.

Por que tanta certeza? A revistaTélérama redigiu um “Apelo por um audiovisual independente”e o submeteu à assinatura dos dez candidatos ao primeiro turno da eleição presidencial. Nove assinaram o Apelo, menos um, Nicolas Sarkozy. Etpour cause, foi ele mesmo quem decidiu no seu primeiro mandato, em março de 2009, subordinar a indicação e nomeação dos dirigentes do audiovisual público ao presidente da República, fazendo dos jornalistas do audiovisual verdadeiros “chiens de garde” de seus interesses.

Recentemente, um documentário extraordinariamente bem feito, Les nouveaux chiens de garde (Os novos cães de guarda), mostrou como funciona a conivência entre jornalistas e o poder no tratamento da informação, de forma a que esteja sempre em sintonia com os interesses dos donos do poder.

Dinheiro do contribuinte

Téléramaconsidera que ao se recusar a assinar o apelo, Sarkozy prova que continua a “defender uma concepção arcaica dos laços entre o Executivo e as redes de TV e rádios que pertencem ao Estado”. A revista critica a reforma do poderoso audiovisual público francês feita por Sarkozy em 2009, por pensar que ela marcou “um recuo das liberdades públicas e fez pairar uma suspeita permanente sobre todas as decisões” tomadas pelos diretores nomeados, seja da TV seja das rádios.

O sistema audiovisual público francês é composto por France Télévision (que compreende os canais Outre-Mer 1, France 2, France 3, France 4, France 5 e France Ô, que representam 40% da audiência dos franceses) e Radio France (cinco estações de rádio que estão entre as de maiores audiências do país), além das estações de rádio que fazem programas em língua estrangeira (Radio France Internationale) e o canal de TV all news intenacional (France 24).

A seguir, a íntegra do Apelo por um audiovisual público independente, redigido em abril pela revista Télérama:

“O presidente da República nomeia ele próprio o presidente de France Télévision, de Radio France e do Audiovisual Internacional da França (RFI e France 24), conforme a lei votada em março de 2009. Télérama denuncia esta lei desde que foi adotada pois ela restabeleceu, pela primeira vez desde 1982, um laço de dependência direta entre o Executivo e os dirigentes das redes de TV e das estações de rádios públicas. Esse modo de nomeação constitui um recuo das liberdades públicas. Deve ser suprimido e substituído por um outro processo que garanta a independência dos presidentes do audiovisual público e das sociedades que eles dirigem. Tanto na televisão quando no rádio.”

A vitória de François Hollande terá como imediata consequência a total independência do audiovisual público francês. E os atuais “chiens de garde”, os jornalistas escolhidos pelo próprio presidente para defenderem os interesses do hóspede do Palácio do Eliseu, poderão ser substituídos por jornalistas pagos pelo dinheiro do contribuinte para informar dentro da deontologia da profissão – e para criticar, inclusive o presidente da República e seus atos, quando julgarem conveniente. E os que permanecerem em seus cargos não se sentirão mais, daqui para a frente, na obrigação de dizer “amém” a todos os atos e decisões do poder.

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[Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris]