Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Segundo turno também para a imprensa

Uma sensação incontornável que emerge do resultado da disputa presidencial ‒ as votações obtidas por José Serra e Marina Silva, que provocaram o segundo turno, foram superiores às previsões dos institutos de pesquisa ‒ tem a ver com o desempenho da mídia. Por um lado, constata-se quão temerário é afirmar que a grande imprensa, e sua repercussão na televisão, ao revelar escândalos e malfeitos, não exerce influência sobre as decisões do eleitorado. Ou os institutos de pesquisa estiveram errados o tempo todo, ou houve perda de substância da candidatura de Dilma Rousseff após as denúncias de corrupção na Casa Civil da Presidência da República – as quais, como se sabe, foram fruto de apurações jornalísticas. Por outro lado, a cobertura do processo eleitoral, excessivamente dependente de pesquisas e focada nas declarações e atos oficiais dos candidatos, e na movimentação de suas entourages, perdeu contato com o protagonista principal do processo, o eleitor.


Exemplos adicionais disso são, debaixo do nariz dos grandes jornais paulistas, a vitória apertada de Geraldo Alckmin em primeiro turno, a vitória de Aloysio Nunes Ferreira para o Senado e a derrota de Netinho de Paula na mesma eleição majoritária.


Em 1985, faro jornalístico no JB


Em 1985, um subeditor de Política do Jornal do Brasil, Paulo Adário, foi a São Paulo acompanhar a última semana da campanha eleitoral para a prefeitura. A editoria inteira torcia sem constrangimentos por Fernando Henrique Cardoso. Paulo Adário voltou na sexta-feira à noite e escreveu sua matéria para a edição de domingo, dia da eleição. Dizia que Jânio Quadros provavelmente seria eleito. Tinha gastado sola de sapato em São Paulo e recolhera essa impressão. Ficamos um pouco acabrunhados com o teor da matéria, e mais ainda quando ela se revelou perfeitamente verdadeira. Mas era jornalismo da melhor qualidade.


Captar os fenômenos novos


Há uma série de fenômenos novos no Brasil. Entre eles, o surgimento de uma chamada ‘nova classe média’. A designação ainda é objeto de discussão entre sociólogos e cientistas políticos, mas a novidade está aí. Não se viu, entretanto, jornal ou revista capaz de fazer o vínculo entre a movimentação de camadas sociais ‒ houve também a melhoria das condições de vida de gente que era classificada como miserável ‒ e a campanha eleitoral. Trabalhou-se com a ideia constante e unívoca de que a popularidade do presidente Lula e a alta nota dada a seu governo, segundo as pesquisas, seriam o único e avassalador processo político a funcionar como fio condutor do processo eleitoral.


Não faltam repórteres talentosos e persistentes no Brasil. Vide a bela série produzida por Ernesto Paglia, na TV Globo, sob o rótulo ‘JN no Ar’. O segundo turno não dá apenas uma segunda chance a José Serra, o candidato do PSDB. Dá uma segunda chance para que jornais e revistas usem de forma articulada seus recursos para fazer um retrato ‒ necessariamente sintético ‒ do povo e de como ele enxerga as campanhas dos candidatos à presidência da República. Um retrato das expectativas e da racionalidade que preside as escolhas feitas na cabine de votação.