O Congresso demorou 14 anos para cumprir o artigo 224 de Constituição que determina a criação do Conselho de Comunicação Social (CCS) como órgão auxiliar do Legislativo. O atraso não resultou da preguiça ou do excesso de trabalho dos nobres parlamentares. Foi resistência ostensiva de sucessivas Mesas Diretoras do Senado, às quais não interessava a existência de um fórum de consulta, cobranças e debate sobre mídia instalado dentro do parlamento, com todas as prerrogativas deste tipo de suporte. Mesmo na condição de ‘órgão auxiliar’ do Congresso, o CCS seria fatalmente convertido num sistema de alto-falantes que certos coronéis associados a setores da mídia não gostariam de instalar no aparelho parlamentar.
Para se ter uma idéia da má vontade e contrariedade destes setores, basta examinar o primeiro texto publicado neste Observatório da Imprensa, 12 anos atrás (ver aqui).
Apesar do persistente trabalho de sabotagem, o Conselho foi criado graças ao espírito público e ao civismo de um grupo de senadores do PT e do PSDB (entre eles Artur da Távola, jornalista).
Regulação e auto-regulação
Escolhidos os nove conselheiros, eleito o presidente (o jurista José Paulo Cavalcanti Filho, com larga experiência em questões de direito da comunicação), o Conselho foi instalado com alguma pompa em 2002. Durante o seu primeiro mandato envolveu-se em questões da maior relevância: concentração da mídia, rádios comunitárias, TV digital etc.
Desprovido de qualquer tipo de poder, apenas porque existia e funcionava o CCS era um incômodo. A noção de que poderia ser acionado para esclarecer a sociedade nas questões relativas à comunicação social levou os mesmos setores – e senadores que postergaram a sua criação – a optar por sua liquidação.
Coveiro contratado: o ex-jornalista Arnaldo Niskier. Expert em trabalhos na sombra e em silêncio, o imortal conseguiu o milagre de esvaziar completamente o CCS ao longo do segundo mandato (2005-2006). No ano seguinte (2007), o órgão não se reuniu uma única vez e, em 2008, a Mesa do Senado sequer conseguiu indicar os seus integrantes.
Significa que o CCS é desnecessário ?
Significa que o CCS é utilíssimo, não fosse assim não seria sangrado em silêncio. O CCS tem condições para transformar-se num instrumento decisivo para provocar e subsidiar os debates relativos aos meios de comunicação. O CCS pode ser vital para disciplinar a espúria concessão de canais de rádio e TV a parlamentares, aberração que compromete toda a estrutura da nossa mídia eletrônica.
Embora sem o formato e desprovido dos poderes da FCC americana (Federal Communications Comission), o CCS poderia transformar-se na incubadeira de instrumentos e estatutos – reguladores ou auto-reguladores – exigidos por uma sociedade que está aprendendo a comunicar-se em alta velocidade.
Instrumentos surrupiados
Se o CCS funcionasse como já funcionou, alguns debates recentes teriam sido conduzidos com mais competência e algumas decisões tomadas com mais prudência. A TV digital foi uma delas.
Com um CCS vivo e vigilante, a criação da TV Brasil não teria transcorrido de forma tão melancólica e a oposição não teria desempenhado um papel tão contraproducente, inclusive para os seus próprios interesses.
Embora concebido para assessorar e enriquecer os trabalhos do Legislativo apenas, o CCS poderá desempenhar um papel crucial em matérias cogitadas por outros poderes. É preciso lembrar que a iniciativa de liquidar o entulho autoritário embutido na Lei de Imprensa partiu de um congressista, o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ). Será apreciada pelos magistrados do Supremo Tribunal Federal, mas se o CCS não estivesse em coma induzido, as ponderações expressas pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr sobre o perigo de extinguir pura e simplesmente a famigerada lei poderiam suscitar reflexões mais amplas do que o corajoso – porém solitário – artigo que publicou na Folha de S.Paulo (ver aqui, para assinantes).
Com um CCS ativo e vigilante, o Estado brasileiro, republicano e secular, jamais admitiria o seqüestro de seus bens – as concessões de rádio e TV – por confissões religiosas.
A Constituição de 1988 (que em outubro completa 20 anos) não pode ser violada. Os constituintes não podem ser desobedecidos. Os instrumentos que conceberam não podem ser surrupiados e os dispositivos que votaram devem ser cumpridos integralmente.
Roubaram o nosso Conselho, chamem a polícia!
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