No dia 30 de setembro do ano passado, o jornal dinamarquês Jyllands-Postem publicou 12 charges sobre Maomé. Como tem acontecido ultimamente, o fato gerou reação por parte dos fundamentalistas islâmicos. No início deste mês, em solidariedade, outros jornais europeus também publicaram as charges. No France Soir houve tremenda celeuma, pois seu editor, Raymond Lakah, homem de negócios franco-egípcio, resolveu demitir o diretor responsável pela publicação, Jacques Lefranc, justificando-se: ‘Demiti-o por forte respeito à fé e às convicções íntimas de qualquer indivíduo. Apresentamos nossas desculpas à comunidade muçulmana e a todas as pessoas que ficaram chocadas com essa publicação.’
Jacques foi substituído interinamente pelo diretor Eric Fauveau, que não chegou a ficar 24 horas no cargo: licenciou-se, não concordando com a demissão do colega. Recebeu a solidariedade de toda a redação, que se manifestou da seguinte forma: ‘A publicação das charges não foi decidida por gosto à provocação, mas porque faz parte de uma controvérsia de dimensão mundial’. Foram além disso, no editorial de 2/2: ‘Pode-se imaginar uma sociedade que seja censurada por diversos cultos? O que restaria da liberdade de pensamento, de exprimir-se e até de locomover-se? Essa sociedade a conhecemos bem: hoje no Irã dos mulás, ontem na França da Inquisição’.
André Glucksmann, 68 anos, do grupo Nouveaux Philosophes, deu sua opinião sobre a declaração do ministro francês das Relações Exteriores, Douste-Blazy, de que a França condena tudo o que venha a ferir as convicções religiosas:
Condeno Douste-Blazy. Na França e na Dinamarca existe a liberdade de expressão. Se desejar, o ministro pode recorrer aos tribunais e tentar obter uma sentença contra o France Soir com base nas leis francesas. Não acredito que consiga. Num passado recente, quando jornalistas franceses, foram mantidos como reféns no Iraque, esse mesmo ministro dirigiu-se aos raptores dizendo que tinham se enganado, que talvez não tenham entendido bem a política externa francesa, como que sugerindo que se tratassem de alvos menores e que mais interessantes seriam os de outro país. Cada rapto é um crime e cada ataque à liberdade de imprensa é ilegal.
Finaliza:
Paris agiria melhor propondo ao Conselho da Europa e à União Européia uma declaração na qual se repita que a liberdade de imprensa é o fundamento da democracia. Somente os tribunais podem colocar limites e só depois da publicação das leis. Numa democracia não pode existir censura prévia, a Europa devia repetir em isso em uníssono, enfraquecendo desse modo os protestos e as ameaças dos integralistas. Bem fizeram os jornais France Soir, Die Welt e Corriere della Sera em publicar aqueles desenhos, em solidariedade aos colegas dinamarqueses que foram ameaçados e sofreram patrulhamento. Todavia, os políticos não demonstram a mesma coragem. Ceder às ameaças equivale a permitir a instalação de um embrião da shira, a lei islâmica, na Europa ocidental. Já na época da fatwa (condenação à morte pelos fundamentalistas islâmicos) contra o escritor Rushdie pela sua obra Versos Satânicos, o jornal l’Osservatore Romano, da igreja católica, também condenou o livro, e Chirac, então prefeito de Paris, disse não ser aquele um romance ‘oportuno’. Vaticano e Chirac contra o Estado laico pregado por Voltaire é algo absurdo. (Fonte: Corriere della Sera, 3/2/2006).
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Jornalista