Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Serviços explícitos de desinformação

A mídia mira de lente macro no foco da violência, mas carece de visão aberta e abrangente. Nos episódios no Rio de Janeiro envolvendo traficantes de drogas, polícia e políticos que encheram as telas das TVs e páginas dos maiores jornais do país, o que se viu foi um festival de sandices e lamentável cobertura da nossa ‘todo-poderosa’ mídia, prestando o mais danoso dos serviços de desinformação. Alguns por má fé, outros por ingenuidade, fizeram a cobertura mais pífia que o sentimento social pode prever. Mais uma vez salvaram-se Boris Casoy e o Jornal da Record. A Record, em si, nem tanto, pois em outro telejornal – Edição de Notícias –, no dia 9/4/2004, o jornalista Gamberini abriu a matéria sobre o assunto com esta declaração: ‘O Iraque está mais tranqüilo do que o Rio de Janeiro’.

Foi uma declaração ao mesmo tempo tola, leviana e irresponsável. A situação no Rio estava e está crítica? Sim. Está séria e preocupante? Sim. Mas esta não é a maneira inteligente de enfrentar. Sabemos que a mídia paulista, como também a paulistada, tem má vontade com as coisas do Rio de Janeiro, e isso passa por questões muito maiores do que a simples e salutar rivalidade entre os dois estados. Trata-se, só para não passar em branco, de questões hegemônicas e que poucos percebem. Assim sendo, não perdem a oportunidade de colocar lentes de aumento nos problemas do Rio de Janeiro, como se só lá eles existissem, ou que de lá emanem todos os males da nação.

As posturas do mau jornalismo, principalmente o televisivo, brasileiro, de modo geral, com tímidas exceções, conseguem aborrecer muito mais do que os fatos dramáticos e graves apresentados. É preciso ser mais sério e honesto, tentar análises mais abrangentes e profundas de toda a situação e sair desta superficialidade fútil e nociva. Um outro jornalista sugeriu que se colocasse um batalhão de polícia em cada favela do Rio de Janeiro. Esta não merece nem comentários.

Manipulação

O que precisa ser dito é escondido e camuflado, de acordo com os interesses políticos e econômicos do veículo que aluga a consciência dos profissionais. Assim não temos jornalismo, e sim um comércio de notícias, e ficamos neste festival de superficialidades das análises dos problemas graves que são apresentados apenas como objetos de consumo.

Os lamentáveis episódios no Rio de Janeiro ganharam tinta extra porque assim era de interesse. Se o país todo estivesse isento de violência e canalhice o Rio de janeiro seria um tumor a ser extirpado, porém não é isso que acontece. Durante o tempo que se destinou a despejar tinta extra naquelas matérias, muita coisa foi escondida no restante do país. Esta tintura extra-forte serve para isso. Assim, apostam na máxima ‘o que os olhos não vêem o coração não sente’.

O caso Banestado continua escandalosamente, criminosamente e cinicamente escondido e camuflado. O caso Waldomiro serviu só para dar o recado: ‘Se o dinheiro do BNDES não sair o pau vai comer’. O caso Rio Previdência também passa despercebido porque vem sendo escondido por quem está ávido para saquear o dinheiro público do BNDES para salvar a maior empresa de TV da bancarrota. E, como no Caso Rio Previdência aparece o nome de uma amiga do presidente Lula, a ex-governadora Benedita da Silva, é melhor não aborrecer o detentor da chave do cofre do BNDES. Com isso, os ingredientes estão todos misturados para levar o país ao inferno. Interesses econômicos, interesses políticos, interesses hegemônicos, vaidades, indignidades, imoralidades, amoralidades etc..

O dinheiro subtraído do Brasil pelas contas CC-5 do Banestado, que a mídia brasileira insiste em esconder, porque deve estar enfiada nisso até o pescoço, é, segundo informações isentas, mil vezes maior do que o do chamado Propinoduto, que a mesma mídia veiculava exaustiva e ostensivamente. O mesmo destino teve o caso Chiquinho da Mangueira, que todos os dias ganhava espaço muito maior do que o razoável e lógico. No entanto, o caso Rio Previdência não merece nenhuma frase porque os manipuladores da comunicação assim desejam. Pode ser que esteja sendo guardado para uso caso o BNDES não seja benevolente. Este é o retrato da mídia frente aos problemas nacionais: tosca e vulgar.

Superficialidade

Poucos foram os veículos de mídia que conseguiram fazer analise inteligente e mais aprofundada sobre os fatos ocorridos no Rio de Janeiro. Poucos dias após explodiu a violência em outros estados: garimpeiros e índios, revolta em presídio superlotado em Rondônia e outros. O comportamento da mídia foi o mesmo: tosco e vulgar. Mais uma vez salvaram-se poucos, entre os quais destaco Arnaldo Jabor. Com comentários conduzidos com forma e muito conteúdo no Jornal da Globo, sob o olhar assustado da apresentadora, e em artigo primoroso no Estado de S. Paulo, dia 20/4/2004, sobre o crime organizado, intitulado ‘O crime no Rio vive do nariz dos otários’:

‘Nós somos o Estado incapaz. Eles agilizam os métodos de gestão. Eles são rápidos e criativos. Nós somos lentos e burocráticos. Eles lutam em terreno próprio. Nós, em terra estranha. Eles não temem a morte. Nós morremos de medo. Eles estão no ataque. Nós, na defesa. Nós nos horrorizamos com eles. Eles riem de nós. Nós os transformamos em superstars do crime. Eles nos transformam em palhaços. As drogas e as armas vêm de fora. Eles são globais. Nós somos regionais’.

A tragédia das periferias brasileiras me lembra um terremoto ignorado, para o qual ninguém enviou patrulhas de salvamento. Já houve um terremoto e todos nós tentamos esquecê-lo, subindo grades em nossas casas, com os socialites cheirando o pó malhado de otários, perpetuado esta miséria. O crime começa e acaba no nariz das classes dominantes.’

Sugiro aos professores de Comunicação e Jornalismo que tentem conseguir o texto completo e façam seus alunos lerem até aprender, para que não saiam por aí bradando um diploma que, na maioria das vezes, credencia somente para a forma, e nunca para o conteúdo. Façam os alunos observarem alguns metros abaixo da superficialidade em que se apresenta a cínica sociedade. Como bem disse o ex-vice presidente Aureliano Chaves: ‘O subterrâneo do Brasil é muito mais movimentado do que a superfície.’ Mas não desçam muito, porque mais embaixo, bem próximo do inferno, é que tramam ardilosa e impiedosamente contra a verdade e vocês não poderão nos contar porque os donos da mídia e do poder não deixam. E pelo jeito a coisa não vai mudar. Faz parte da natureza humana. O único animal canalha e hipócrita.

O jornalismo puro dá muito trabalho e oferece muito perigo porque traz muitos problemas de relacionamento com os donos do dinheiro e do poder. Afinal qualquer empreendimento precisa de dinheiro, principalmente quando se está viciado em recebê-lo abundantemente por serviços prestados ajustados nos subterrâneos. O povo? Este coitado está sempre pronto para receber de bom grado qualquer informação distorcida, parcial ou transferida que lhes chega pela TV. Estes pobres idólatras dos big brothers só enxergam a superficialidade das coisas, como a maioria dos que informam.

Hipocrisia

A hipocrisia da falsa elite brasileira não a deixa ver que a situação dramática em que vivemos foi ela própria quem criou. O tráfico de drogas é um grande filão comercial para os excluídos, e os incluídos, com seu consumo desenfreado, alimentam toda esta parafernália. Quem, por exemplo, é o grande consumidor de cocaína? O povão? Claro que não. Cocaína é cara. É artigo de luxo. Alguém já teve notícia de que algum pobre tenha morrido de ‘overdose’ de cocaína? Pobre morre, se tanto, de ‘overdose’ de cachaça; ou ainda, de ‘underdose’ de proteínas. E esta se torna mais dramática porque a maioria das vítimas é constituída de crianças.

Esta mesma elite que adquire as drogas a preço de ouro, alimentando esta sanha, e que incentiva o consumismo de modo geral, é a mesma que cobra e critica as autoridades pela proliferação de traficantes entre os favelados. Indubitavelmente, muitos que aparecem defronte às lentes das câmaras bradando por providências são eméritos cheiradores de cocaína.

Esta guerra entre quadrilhas de traficantes (os pequenos, porque os grandes nunca aparecem) não é por causa de vício. Ela é puramente comercial. São os desvalidos em busca dos lucros advindos de uma atividade mercantil, cuja mercadoria, convencionalmente ilícita, mas que esta elite é a sua principal consumidora. Enquanto existir gente para comprar, terá sempre gente para vender. Enquanto isso, fica todo mundo fingindo que a situação é só o que aparenta ser: que aqueles franzinos mestiços, com bermudas desbotadas e sandálias de dedo, apresentados pela polícia, e com alarde pela mídia, são os únicos grandes vilões da nossa sociedade. Assim, de demagogia em demagogia, esta sociedade se desgraça cada vez mais no seu próprio engodo.

Não raro, figurões que bradam exigindo mais segurança são vizinhos e amigos, às vezes sem saber, de grandes e verdadeiros chefões da distribuição de drogas e armas. Só os tolos não conseguem ver, e os hipócritas não querem dizer, que o que aconteceu no Rio de Janeiro nos últimos dias ‘é pinto’ perto do ocorrerá em breve em todo país. Esta sociedade está acabada. Exagero? Basta observar que temos todas as causas reunidas para isso: mentiras, imposturas, presepadas, hipocrisia, canalhice, amoralidade, e muitas mais, que dá para reencher milhares de caixas de Pandora. E quando a mídia expõe abusivamente somente a violência física para encobrir a violência moral está utilizando a mais brutal e danosa das violências que é a hipocrisia.

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Dirigente sindical