A Copa do Mundo de 2006 poderá vir a ser rememorada como a copa das marcas – e o demonstram a megaestrutura (midiática) do evento, palco não só das disputas esportivas, mas também (ou principalmente) dos patrocinadores (e seus símbolos-marca), bem como os recordes individuais (ver Cafu, Ronaldo etc.) entre outros, registrados minuciosamente, tão ao gosto do jornalismo estatístico, ao longo da competição. E não faltaram tabelas, rankings, gráficos ou notas…
Mas, se por um lado sobraram recordes e comparações, por outro parece que faltou análise crítica – e a eliminação do (sempre) ‘favorito’ Brasil trouxe-nos de volta à realidade, aquém do triunfalismo eufórico, dominante em grande parte da mídia nacional.
A regra dos negócios
Natural que depois da queda verde-amarela se retomasse um tom mais crítico, em busca de explicações ou razões para o infortúnio – e a crônica esportiva já se encarregou disso, de modo quase exaustivo, embora sem esclarecer muitas coisas, restando muitas dúvidas sobre os bastidores da seleção. Afinal, o que faltou ao grupo de jogadores/celebridades para que se tornasse um time, uno, competitivo? Houve uma preparação adequada? Como era o relacionamento entre jogadores e técnico? Faltou diálogo? Sobrou arrogância e propaganda? Até que ponto o marketing atrapalhou?
Parece mesmo que a ‘logística neoliberal asfixiou a volúpia libertária da imaginação’ de nossos jogadores e técnico, como destacou Ivo Lucchesi, neste Observatório (A renúncia à imaginação – edição de 4/7/2006). A política de resultados não foi suficiente nem eficaz – a lógica neoliberal de cartilhas uniformes na verdade acentuou o caráter individualizante da seleção, não serviu ao propósito (bem ao gosto empresarial) da equipe – talvez o técnico não tenha conseguido administrar tão bem assim os egos de seus comandados (nem o próprio).
A ‘marca’ pessoal tornou-se mais relevante na competição – e não se conseguiu outra coisa senão alguns recordes, ainda que com prejuízo à equipe. Nestes tempos globalizados o atleta tornou-se uma marca, um produto – não é por acaso que ostenta no peito, paralelo ao brasão da seleção, o emblema da empresa que a patrocina, quando também não o ostenta na testa (ou nos meiões sempre bem arrumados para fotos). Nada demais em cumprir contratos, afinal essa é a regra dos negócios, mas até que ponto prevalecem os interesses pessoais, a influência de patrocinadores etc? O jornalismo esportivo também deveria reportar essas questões.
Na África do Sul
A lógica neoliberal costuma cobrar o seu preço – bastante alto, aliás. Difícil explicar um fracasso, que dentro dessa perspectiva sempre é imputado aos indivíduos, mas que no caso de nossa seleção ninguém parece querer assumi-lo, mais fruto do acaso (que não nos protegeu como na canção tema da equipe). Ilustrativo dessa lógica o tratamento dispensado à seleção pela Rede Globo, festiva até a eliminação, lacônica depois disso. Descarta-se, afinal, o que não é mais rentável ou consumível – pelo menos até a próxima oportunidade.
Decerto que a derrota faz parte do jogo – e o Brasil tem talento de sobra para superar esse golpe. Vale dizer que assim como numa sociedade a opção por um modelo (socioeconômico) se reflete em todos os setores, com acertos e prejuízos, no time nacional não poderia ser diferente. Não se deve esquecer, entretanto, certos valores – essenciais a uma nação e à seleção que a representa.
Resta saber se daqui a quatro anos as corporações midiáticas empenharão igual esforço na cobertura da Copa na África do Sul – país sem o glamour da Europa. Mas certamente não faltarão oportunidades de grandes negócios – afinal, sempre se pode apelar para o exótico. E haverá outras marcas e recordes a serem alcançados e batidos.
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Funcionário público, Jaú, SP