O caso é raro, raríssimo. Num mundo onde todos procuram seus 15 minutos de fama para proclamar platitudes e asneiras, causa espanto o gesto deste colunista da Folha de S.Paulo, um dos melhores do seu elenco, que decidiu por vontade própria interromper sua colaboração com o jornal. No seu texto de despedida Marcos Nobre constata que o ‘dar de ombros’ não é exclusivo de políticos que topam tudo para serem eleitos. A degradação é generalizada e ele pulou fora. (Alberto Dines, OI na TV,10/8/2010)
Não há como evitar a sensação de que não está acontecendo nada na política nacional. Porque não está acontecendo mesmo. Ou melhor: está, mas não é nada bom.
Aqui chegamos porque o processo de peemedebização da política se completou. É um dar de ombros generalizado.
Se ‘o país está no rumo certo’ e se ‘política se faz com o que se tem’, todo mundo se torna ‘realista’. Ou seja, se não há alternativa à política peemedebizada atual, não vale mesmo a pena perder tempo com isso.
A menos, claro, que alguém queira mexer com o queijo de outra pessoa. Mas também para isso o sistema político encontrou sua resposta. Vai tentar resolver os problemas, claro; mas todo mundo sabe que isso é muito difícil. Agora, uma coisa é certa: ninguém vai tomar nenhuma medida drástica que afete interesses particulares.
Sem confronto
Se você é empresário, pode ter certeza de que nenhuma política setorial será feita para prejudicá-lo – só, eventualmente, para beneficiá-lo. Se você é contra o aborto e o casamento gay, não se preocupe, ninguém fará nada para aprová-los.
Agora, não prejudicando nenhum interesse específico, não há nada que impeça de se dar uma ajuda para um ou outro setor. Afinal, ninguém vai perder e ainda algumas pessoas vão ganhar. Seja qual for a candidatura vencedora na eleição. O país está crescendo e todo mundo será sócio desse clube.
Essa é a forma atual da neutralização da política, a versão peemedebizada da ideologia. Não espanta que não haja debate, confronto. Simplesmente porque nada há para debater.
‘De que lado?’
A política que temos exige sempre um ‘sim’ ou ‘não’ para questões que são muito mais complicadas do que essa alternativa pobre. Acontece que a maneira como cada pessoa chega ao seu ‘sim’ ou ao seu ‘não’ importa. Aliás, é o que mais importa. Mesmo que a escolha por um dos polos não se altere, as razões para escolher ficam mais complexas. No fundo, a decisão mesma é um momento menor da política democrática.
A novidade do grande consenso atual é ter conseguido convencer de que toda a política se reduz a essa decisão, à faca no pescoço do ‘sim’ ou ‘não’, a um ‘afinal, de que lado você está?’. A questão hoje é a de saber até quando esse acordo extorquido ainda será suficiente.
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Foram mais de 150 colunas, foram mais de três anos tendo o privilégio de ocupar este espaço. Com total liberdade, sem interferências de nenhum tipo, diretas ou indiretas. Fica o agradecimento à Folha pela oportunidade. E, principalmente, o muito obrigado a todas as pessoas que tiveram a gentileza de acompanhar, semana após semana, essa experiência.