Um líder mundial foi recebido semana passada na Alemanha como superstar. Não foram os ‘sins’ que o levaram a tal nível – foram os ‘nãos’. Os nãos que deu à vida, quando esta tantas vezes parecia querer fadá-lo ao fracasso. Os nãos que tem dado aos outros, quando estes tentam ganhar no grito. Os nãos que nunca imaginou que precisaria impor a si mesmo, provando que a política é a arte da flexibilidade – e apanhando por isso. Para quem não se deixa constranger pela vida, ousadia é o caminho natural.
Esse líder não é um negro com duas faculdades. Nem tampouco é branco. Tem a cor – e a dor – da miscigenação de seu país.
Luís Inácio Lula da Silva é o nome do cara. O mesmo que avisou que no Congresso há ‘300 picaretas’ é o mesmo que hoje diz que ‘imagens não falam por si’. Uma mudança inaceitável, alegam muitos. Só que dizer que ‘imagens não falam por si’ não significa defender ninguém. Será que é possível governar considerando-os todos ‘picaretas’ sem lhes conceder o benefício da dúvida? Não seria este benefício parte da democracia? Será que é possível governar sem o apoio de pelo menos uma parcela deles? Talvez tenha sido isso que Lula quis dizer quando afirmou que ‘Jesus teria que fazer aliança com Judas para governar este país’. A diferença é que Jesus sabia quem era seu Judas e nenhum de nós tem como prever com precisão quem serão os nossos.
Incomodar acomodados
A mudança é a lei da vida. ‘Eu mudo para continuar o mesmo’, dizia Sartre. Se hoje ‘a estrela vermelha na lapela está menor’, como afirma a matéria alemã ‘Lula superstar’, não quer dizer que – naquele que, um dia, inflamou multidões de metalúrgicos – os ideais progressistas tenham morrido (e a matéria deixa isso claro). Às vezes penso que quem o via naquela época imaginava que, quando eleito presidente, Lula transformaria Brasília em Sierra Maestra. Duvido que algum dia tenha tido este objetivo e, nem que tivesse, num contexto social como o nosso, jamais conseguiria governar sem o mercado internacional. O que não significa governar para o mercado, menos ainda por ele. Visitando-se alguns dos grotões mais pobres deste país é fácil se constatar para e por quem Lula governa.
Nas últimas décadas do século 20, o Brasil acostumou-se a governos totalmente submissos, não só aos interesses do mercado como aos interesses das grandes potências. Durante anos, os ‘vira-latas’, de que falava o grande dramaturgo Nelson Rodrigues, não passaram de gatinhos assustados aceitando migalhas de Washington. Assim nos via a Alemanha, assim nos via o resto do mundo. Curiosamente, para a grande imprensa brasileira foram anos de festa. Freud há de explicar o amor pela submissão.
Dias Gomes, saudoso dramaturgo brasileiro que de vira-lata nada tinha, dizia: ‘Quem não nasceu para incomodar não merecia ter nascido.’ Chegar à Alemanha ‘dando a honra de sua visita’, como saiu na imprensa alemã na matéria citada, e depois fazer declarações que vão contra os interesses imperialistas dos EUA seria ‘causar constrangimento’ ou incomodar? Incomodar os acomodados é, sem dúvida, uma das maiores ousadias do ser humano.
Sucesso é o caminho
Que moral têm aqueles que recriminam Lula por ele manter relações diplomáticas com Ahmadinejad, que nega o Holocausto e precisa, sim, ser repudiado por isso, mas não o recriminam por manter relações semelhantes com o Estado de Israel, que há vários anos promove uma limpeza étnica entre os palestinos? Não se trata de uma pergunta anti-semita, mas sim, anti-sionista, em repúdio àquela parcela de Israel que parece também ter se esquecido do Holocausto, utilizando as mesmas práticas que quase dizimaram seu povo.
O fato é: um país que se quer em destaque na cena mundial precisa e deve dialogar com todos. Dialogar é uma coisa, concordar é outra bem diferente. Submeter-se é outra mais diferente ainda. Lula é pessoa que não vive sem o diálogo. Foi o diálogo – sem submissão – que fez dele um líder admirado por Bush, Clinton, Obama e Al Gore; por Shimon Peres e Mahmoud Abbas; pelo banqueiro do ar condicionado e pelo trabalhador de sol e suor. Foi a arte do diálogo que fez com que hoje o Brasil seja ouvido pelo mundo.
Por que será mesmo que, como mostram os 80% de aprovação popular, grande parte dos trabalhadores deste país continua admirando tanto Lula? Porque é possível fazer política internacional sem se esquecer da interna.
É tênue a linha entre constrangimento e ousadia. Ousar é correr o risco de constranger a quem quer tudo como sempre esteve. Mas, por mais que parte da mídia nativa continue querendo impor rótulos ao presidente Lula, como aquele que ‘nos constrange frente ao mundo’, a arrebatadora aprovação interna e externa teima em querer provar que para quem ousa nessa vida, o sucesso é o caminho natural.
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Jornalista