Em um lado da moeda, a jovem loira e suave, resplandecente no seu vestido de princesa. No outro, a senhora de meia idade, que mais parece a madrasta da Cinderela. A primeira, amada pela mídia, virou ídolo popular. A segunda, com toda a certeza, vai entrar para a história como a grande bruxa do século 21. Diana, a princesa, e Camilla, a ex-concubina, seriam os destaques da semana, se não fosse o grande happening em que se transformaram a morte e o funeral do papa João Paulo II.
Em longo artigo no Estadão de sábado (dia 9), a jornalista Dorrit Harazim mostra, com grande finesse, a tragédia que a mídia em geral desconhece: a da mulher feia, de meia-idade, que ousa enfrentar meio mundo (incluindo uma rainha) para oficializar seu amor.
A história tem tudo para fascinar esse mundo de voyeurs em que a mídia nos transformou: o príncipe encontra sua alma gêmea e quer transformá-la em companheira e rainha. Mas a moça não é mais virgem e a rainha-mãe impede o casamento. Aparentemente conformado, o futuro rei acaba, anos depois, casando com uma jovem quase plebéia com quem tem dois filhos lindos.
Para satisfazer a mídia, eles tinham a obrigação de ser um casal feliz para sempre. Como foram, pelo menos aos olhos do público, o príncipe de Mônaco e a atriz Grace Kelly.
Mas o casal Diana-Charles não foi feliz. E o nosso herói virou um sapo. Um sapo apaixonado e teimoso, que gostava mesmo era da outra: a feia, velha e pouco carismática colega de cavalgadas.
Rápida cerimônia
Fica difícil para a mídia perdoar um ‘deslize’ desses. Como ousa um homem poderoso ir contra as normas do bom-senso e escolher Camilla como sua rainha? Se ela ainda fosse bonita, elegante ou sofredora, vá lá. Mas que ousadia a dessa mulher em contrariar os padrões estéticos e morais e ainda por cima querer ser rainha. Como mostra o artigo de Dorrit, um tio do príncipe definiu bem a situação com um ditado popular que diz que ‘não se casa com quem se leva para a cama’.
Ao que parece, mais do que o fato de ser de meia-idade e nada bonita, Camilla tem contra ela o fato de ter exercido sua sexualidade e não aceitar punições por isso. Não que Diana não exercesse. Ousadias desculpadas nas mulheres mais jovens, especialmente as queridinhas da mídia, como a falecida princesa Diana, que confessou ter tido um caso enquanto casada. A mídia, refletindo a postura da sociedade, noticiou, mas não fez julgamentos. Numa clara demonstração de que os ídolos podem tudo. Ela era fotogênica e sorridente, o público a adorava e cada pequeno ou grande gesto, cada passeio ou viagem oficial era motivo para grandes coberturas que vendiam jornal, rendiam ibope e representavam faturamento extra para os veículos de comunicação.
É só lembrar o casamento real, televisionado ao vivo para todo o mundo e dá para entender por que a mídia não gosta de Camilla. Em vez de horas e horas de casamento de contos de fada, tivemos, esta semana, uma rápida cerimônia envolvendo um discreto e elegante casal de meia-idade. Nada de imagens grandiosas do príncipe vestido de uniforme e a princesa parecendo uma Cinderela, desfilando numa carruagem e saudados pelos súditos como nos melhores contos de fada. Se o príncipe-viúvo tivesse escolhido uma mulher mais jovem e mais bonita, as coisas seriam bem diferentes.
Alguma diferença?
Ninguém ia ficar discutindo (e por ninguém entenda-se a mídia do mundo inteiro) o fato de ele ter sido infiel à eleita do público, a princesa Diana. E nem em sonhos os canais de televisão fariam documentários como um apresentado pelo GNT, que discutiu a hipótese de a morte da princesa e de seu namorado ter sido planejada por ninguém menos do que o próprio Charles. Uma intrincada fantasia à 007 na qual o príncipe precisaria ficar viúvo para poder casar de novo e continuar herdeiro do trono inglês.
A necessidade que a mídia tem de ídolos e conto de fadas é tanta que ainda hoje a figura de Diana é usada para atrair leitores. O UOL, por exemplo, faz uma pesquisa sobre o casamento em que pergunta:
O príncipe Charles e Camilla Parker-Bowles reconhecerão seus ‘pecados e fraquezas’ durante a bênção religiosa que se seguirá ao casamento civil, segundo anunciaram oficiais da realeza britânica. Na sua opinião, a união legal do casal ajudará a apagar a polêmica que envolve o relacionamento dos dois, iniciado quando Charles ainda era casado com a princesa Diana?
Como se o casamento de um príncipe inglês de meia-idade com a namorada e amante de 30 anos fizesse alguma diferença no nosso dia-a-dia.
******
Jornalista