Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Software acha “máquinas” de lavar dinheiro

Empresas de pequeno e médio porte, sediadas nos Estados de São Paulo e Paraná, são as principais ‘máquinas de lavar’ dinheiro do comando do tráfico de drogas do Rio de Janeiro. A informação apareceu após os primeiros cruzamentos de dados obtidos através de uma nova tecnologia, que está auxiliando as investigações policiais no Rio e em outros Estados.


É o Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (Lab-LD), sistema lançado em 2007, resultado de um convênio entre o Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça, Secretaria de Segurança Pública e Polícia Civil do Estado, no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla).


O Rio recebeu duas unidades do Lab-LD, uma para a Polícia Civil, outra para o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). É uma estrutura simples, com equipe reduzida – seis pessoas na polícia e dez no MP –, que ocupam duas ou três salas pequenas. Patricia Alemany, coordenadora do laboratório na polícia, define o sistema como um conjunto de softwares, técnicas e profissionais especializados (contabilistas, economistas, estatísticos) que trabalham na análise de dados.


O software faz a leitura e conexão das informações obtidas pelos investigadores em extratos bancários, contas de telefone e relatórios do fisco. O programa gera gráficos e organogramas, que apontam visualmente as conexões entre pessoas investigadas e o caminho do dinheiro movimentado entre os envolvidos na investigação.


O programa pode também revelar pessoas envolvidas em esquemas, que sequer eram suspeitas. ‘Antes você não conseguia provar que dois indivíduos se falavam através de terceiros, agora consegue’, diz Patricia. O Lab-LD está diminuindo drasticamente o tempo da investigação. ‘Antes os dados eram analisados manualmente’, afirma Reinaldo Lomba, promotor de Justiça e diretor do departamento de combate à lavagem de dinheiro do MPRJ.


Muitos dados acabam se perdendo pela impossibilidade de análise, já que os bancos, por exemplo, quando solicitados pela Justiça, enviam extratos em papel ou em sistemas de diferentes padrões, praticamente inviabilizando a compilação. ‘Com o laboratório, uma análise que levava um a dois anos, agora leva dois meses’, disse Lomba, lembrando que, em casos complexos, que implicam análises muito demoradas, o resultado é o atraso dos processos e julgamentos e até a prescrição de crimes.


Caminho do dinheiro


O Lab-LD carioca começou a dar seus primeiros resultados em agosto, quando a Polícia Civil conseguiu prender uma quadrilha de traficantes na favela de Manguinhos, apreendendo diversos cadernos contendo a contabilidade do tráfico. Na análise do material, descobriu-se que eles movimentam mais de R$ 17 milhões por ano.


Segundo Patricia, embora muitas pessoas físicas (familiares, vizinhos, amigos, clientes) ajudem a lavar o dinheiro dos traficantes, as análises do laboratório mostram que eles têm preferido misturar o dinheiro das drogas com a contabilidade de pessoas jurídicas, através de notas fiscais frias, que dificultam o rastreamento pelos órgãos de controle de lavagem de dinheiro. A transação interessa aos empresários, sócios dessas empresas, que registram maior movimento financeiro e obtêm mais vantagens com bancos.


O Lab-LD ajudou a comprovar que Viviane Sampaio da Silva, companheira de Polegar, um dos traficantes mais procurados do Estado, era também sua ‘laranja’. Embora declarasse renda de R$ 3 mil mensais, Viviane vivia com os filhos em um apartamento luxuoso na Barra da Tijuca, tinha um Audi A3 em seu nome e gastava R$ 8 mil por mês. Com base nessa investigação, Viviane foi presa no dia 28 de novembro, primeiro dia da ofensiva militar sobre o Complexo do Alemão.


‘O escopo do laboratório é facilitar a análise financeira dessas investigações permitindo observar o caminho que o dinheiro segue’, afirmou o promotor de Justiça Francisco de Assis Cardoso, um dos dois representantes do MP na Enccla.


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Laboratório detecta crimes contra patrimônio público


Os casos de maior movimentação financeira detectados pelo Laboratório de Tecnologia Contra Lavagem de Dinheiro (Lab-LD) não são os relacionados ao tráfico de drogas, mas sim os crimes contra o patrimônio público, diz o promotor de Justiça Reinaldo Lomba, diretor do departamento de combate à lavagem de dinheiro do Ministério Público do Rio (MPRJ).


O primeiro caso de peso resolvido com a ajuda do Lab-LD, no ano passado, foi o do ex-governador de São Paulo Paulo Maluf. O cruzamento de dados do laboratório permitiu a localização de parte dos recursos públicos desviados para o exterior em operações cuja responsabilidade é atribuída a Maluf. Outros casos foram a fraude do Banestado e a atuação do PCC no Estado de São Paulo. Decidiu-se então estender o laboratório nos 13 Estados onde ele seria mais necessário, entre eles Rio e São Paulo.


No Rio, o caso mais emblemático foi a prisão, no fim de 2009, do miliciano e ex-vereador Cristiano Girão, acusado de lavagem de dinheiro, extorsão e formação de quadrilha. (JR)