Duas reportagens publicadas na quinta-feira (1/9) no jornal O Estado de S.Paulo cruzam temas que deveriam estar mais presentes no noticiário. O primeiro texto revela que a passagem do projeto de mudança do Código Florestal pelo Senado Federal não alterou em praticamente nada a coletânea de insensatez que marcou sua passagem pela Câmara dos Deputados. A segunda reportagem revela que é a miséria, não a falta de tropas ou de um sistema eficiente de radares, que coloca em risco as fronteiras amazônicas do Brasil, tornando o país vulnerável à ação de traficantes de drogas e armas e de riquezas naturais.
No texto sobre o Código Florestal, o jornal informa que o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), relator do projeto nas três comissões que deverão analisar o assunto – Constituição e Justiça, Ciência e Tecnologia e Agricultura – inventou novas possibilidades para autorizações de cortes de árvores.
O senador catarinense prevê a concessão de licenças para desmatamento em caso de “utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental”. Também dispensa os produtores rurais de recuperar as áreas desmatadas até julho de 2008.
Fronteiras vulneráveis
Na prática, lembra o Estadão, o relatório permitiria que uma floresta fosse derrubada, por exemplo, para a construção de um estádio de futebol, dada a sua natureza de “utilidade pública”.
Há alguns avanços em relação ao texto aprovado na Câmara dos Deputados, mas a sociedade não pode continuar ausente desse debate. O jornal paulista lembra que Luiz Henrique foi governador de Santa Catarina na época em que o estado reduziu as áreas de proteção das margens de rios. Ou seja, o Senado Federal colocou a raposa para cuidar do galinheiro. A primeira votação está marcada para o dia 14 de setembro e o assunto andou sumido da imprensa nas últimas semanas.
O destino do Código Florestal e o estudo sobre a vulnerabilidade das fronteiras amazônicas se cruzam porque os desmatadores comumente relacionam a ocupação da floresta com a questão da segurança nacional.
Os riscos da miséria
O outro assunto, mais diretamente relacionado à Amazônia, é o relato de um trabalho do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), sediado em Londres, no qual se afirma que o projeto do governo brasileiro de destinar R$ 10 bilhões para a proteção das fronteiras amazônicas tende a fracassar, por um motivo simples: o que causa a vulnerabilidade das nossas fronteiras não é o vazio, a ausência do Estado, mas a miséria das comunidades que vivem na região.
Os especialistas afirmam que, apesar da ação brasileira nos últimos anos, a Amazônia passou a ser parte importante das rotas do tráfico internacional, mantendo uma relação direta com a violência nas favelas do Rio de Janeiro e São Paulo.
Recentemente, o Blog da Amazônia, publicado pelo jornalista Altino Machado, revelou que traficantes vinham estimulando a entrada de madeireiros e garimpeiros clandestinos em uma área da Amazônia ocidental onde vivem índios que nunca haviam sido contatados pelo homem branco.
Em outra ocasião, a imprensa dos grandes centros chegou a repercutir, embora timidamente, outra reportagem de Machado, informando que sertanistas da Funai estavam cercados por narcotraficantes na região do rio Xinane, Acre, e insistiam em permanecer lá para proteger populações indígenas isoladas, que vivem entre as fronteiras e cada vez mais atravessam do Peru para o Brasil (ver aqui).
Modelos sustentáveis
No lado venezuelano da Amazônia, um projeto de recuperação de comunidades abandonadas produziu nos últimos anos a expulsão de traficantes que haviam dominado a fronteira desde décadas. Jovens indígenas foram agregados à força militar e a segurança aumentou porque eles deixaram de ser cooptados pelos traficantes e contrabandistas, passando a defender suas comunidades.
Segundo o estudo do IISS, não adianta apenas colocar tropas nas zonas de fronteira. É preciso estabelecer políticas de desenvolvimento que levem em conta as especificidades da região e as características das populações que ali vivem.
Ainda que o governo brasileiro tenha anunciado a implantação de políticas de combate à pobreza na Amazônia, elas nem sempre atendem às peculiaridades da população local, composta por comunidades indígenas, ribeirinhas e tradicionais, com um perfil diferente das populações urbanas às quais essas políticas públicas são originalmente destinadas.
O próprio conceito de miséria precisa ser adaptado ao ambiente onde, com modelos sustentáveis, se pode viver com relativa qualidade sem o manejo de dinheiro. [Com Tatiane Klein]