Não é impunemente ou sem deixar seqüelas que o Brasil hospeda, faz quase um ano, uma campanha sistemática de dois de seus principais órgãos de imprensa contra a administração federal. Praticamente todo e qualquer feito do governo Lula recebe tarja preta nas edições de Veja e O Estado de S. Paulo. Cada veículo com seu estilo. A revista disposta a acusações sem provas, a supor hipóteses empregando, como bem assinalou Luiz Gonzaga Mota (OI, 23/5/06) verbos no condicional e no futuro do pretérito. Tais conjugações permitem-lhe afixar manchetes escandalosas como contas no exterior e dólares vindos de Cuba. ‘Lula teria conta em dólar’ na capa do semanário de maior tiragem no país – uma colocação destas basta para difamar, mas preserva a revista da acusação de falso testemunho. Já o jornal centenário é mais sereno em seus ataques, mas não menos repetido.
Recorde na balança comercial e na balança de pagamentos, auto-suficiência em petróleo num globo em grave crise de energia, a nada disso a imprensa mencionada confere troféu. A abonada Venezuela resolve aderir ao combalido Mercosul e, em vez de festejar a entrada de petrodólares, o editorial do Estadão só fala das estroinices de Chávez, como se elas afetassem a bandeira de seu cartão de crédito. O máximo de acerto que Veja e Estadão reconhecem ao governo petista é a política econômica, para logo acrescentar que afinal não há nisso mérito nenhum dos trabalhistas, pois a herdam e copiam de FHC. Não se encontra, por exemplo, um só editorial debruçado sobre a grande contribuição de Lula para superar o debate ideológico fratricida e estéril tão forte no Brasil ainda nos anos 90. Daquele ambiente de que Mario Amato foi o porta-voz ao afirmar que se Lula ganhasse a eleição 600 mil empresários nacionais levariam seus capitais para o eterior. Em 2002, durante a campanha a presidente, o dólar bateu R$ 4 e o índice Bovespa, termômetro do grau de confiança na economia brasileira, era um 1/4 do atual.
Convívio
Não estou aqui defendendo impunidade aos atos comprovados de corrupção encontrados na administração petista, nem tolerância com os perpetradores. Meu apelo é pelo reconhecimento de que lideranças poderosas já rolaram, Zé Dirceu, Palocci e Genoino, entre outros. Aliás, não se os acusa de enriquecimento pessoal, ao que leio. Meu apelo é que se reconheça que a administração federal não se vale da máquina de governo para abafar as investigações e que há dezenas de virtualidades a celebrar no Brasil de 2006.
A recusa desta grande imprensa em admitir feitos positivos petistas e a campanha militante que os vaia por não conseguirem em quatro conturbados anos (inclusive algumas sabotagens, como a unção de Severino presidente da Câmara) resolver as demandas sociais brasileiras acaba subsidiando a criação de um processo ‘chavista’ por aqui. Com seus 42% de preferência dos eleitores, para Lula haverá sempre a tentação de dirigir-se diretamente ao povo. Em paralelo ganha peso no país, e a grande imprensa o alardeia, a idéia de que o Congresso é um faroeste total do qual dois ou três se salvam.
O artigo de Diogo Mainardi desta semana trabalha nessa linha, investe contra situacionistas e até contra oposicionistas. Aos oposicionistas lança a calúnia de terem ‘afinidades com a Telemar’ – onde estava o colunista quando Luiz Carlos Mendonça de Barros, de alta plumagem, esforçou-se por trazer operadoras americanas mais competentes para a privatização das telefônicas, mas a estupidez da Lei 8.666 forçou o ministro das Comunicações a adjudicar à Telemar, de amarga experiência para os consumidores? Só sobraria Fernando Gabeira e, assim mesmo, segundo a encomenda de Mainardi, depurado de varias de suas posições.
Ou nos tornamos mais justos no convívio social e político ou estaremos fomentando lideranças populistas.
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Dirigente de ONG, Bahia