Neste fim de semana (5/6) o projeto de instituição de uma renda básica para todos os habitantes da Suíça obteve apenas 22% dos votos mas gerou uma grande discussão em toda a Europa. Enquanto isto, aqui……
Há doze anos, o Senado brasileiro transformou em lei a proposta do então senador Eduardo Suplicy, para se criar um renda básica de cidadania e se acabar com a miséria no Brasil. Essa idéia de uma renda básica, maneira de se garantir o mínimo necessário a todos os habitantes de um país, é uma antiga utopia de Thomas Morus. Utopia que está sendo testada na Finlândia, em Utreque na Holanda, numa cidade canadense e que foi votada num plebiscito, neste domingo 5 de junho, pelos suíços.
A lei por uma renda básica para todos é mais audaciosa que a Bolsa Família, cujo valor embora ridículo e insignificante serviu para melhorar a vida de milhões de brasileiros. Porém, essa lei 10.835 de janeiro de 2004, assinada por Lula e Palocci, nunca foi regulamentada para ser posta em prática. Talvez porque regulamentada a lei, a renda básica deveria ser aplicada pelos governos qualquer que fosse o partido e não se tornaria numa isca de votos exclusiva do PT.
Terminado o governo de Lula, o então senador Eduardo Suplicy tentou convencer a cúpula petista a aplicar a lei mas sem sucesso. Decidiu recorrer à presidente Dilma, que sendo petista poderia ajudá-lo, mas acabou sendo supliciado pelo desdém da chefe do governo. Só agora, destituída de todo poder executivo, Dilma recebeu o senador, para lhe dizer provavelmente que com o Estado quebrado não vai dar para se criar uma renda para todos.
Ora, Dilma perdeu mais uma oportunidade de ficar na atualidade positiva, pois o princípio da uma renda básica para todos vai ser votado neste domingo pelos suíços.
Neste domingo 5 de junho, 22% os suíços votaram, num plebiscito, a favor da inclusão na Constituiçãodo seu país, do princípio de um rendimento básico incondicional para todos, desde seu nascimento, com o valor equivalente a 2300 euros (equivalent a cerca de R$ 9.200,00) para os adultos e 600 (R$ 2.400,00) para os menores.
A proposta foi rejeitada ms ficou a pergunta: Será possível se acabar com a maldição bíblica do « com o suor do teu rosto comerás o teu pão » , com a qual Deus teria criado o trabalho, que mais tarde passou a ser explorado pelo capital ? O utopista inglês Thomas More foi o primeiro a falar numa sociedade onde todos os cidadãos teriam um rendimento básico para viver e o marxismo previa uma sociedade onde haveria um rendimento socializado para todos com as máquinas produzindo as riquezas e liberando parcialmente os homens do trabalho. Na prática não deu certo e a crescente robotização é mais uma ameaça de desemprego do que de diminuição de horas de trabalho e aumento do tempo dedicado ao lazer.
Porém, a utopia ressurge com outras feições e personalidades de esquerda e direita imaginam ser possível torná-la agora realidade. Tanto que a Finlândia deverá testar, no próximo ano, uma adaptação do princípio de um rendimento básico para a população das regiões mais afetadas pelo desemprego. O governo brasileiro também criou ago ligeiramente parecido – a distribuição automática de um rendimento mensal para a população em extrema pobreza, sem a contrapartida do trabalho, a Bolsa Família, equivalente na média geral a um sexto do valor do salário mínimo ou 30 euros. Embora mínima e ridícula no valor, essa pequena soma distribuída para 15 milhões de famílias incentivou a geração de renda e permitiu-lhes sair da miséria.
A iniciativa popular suíça para a realização do plebiscito reuniu 126 mil assinaturas mas não foi aprovada pois, para a maioria dos suíços, o trabalho é sagrado e receber praticamente um salário sem trabalhar seria imoral senão irrealista. Entretanto, embora o governo suíço e o próprio partido socialista tenham sido contra essa iniciativa, seus promotores a consideram como a solução para o impasse em que se encontram atualmente os partidos de esquerda e direita, diante da falta de solução para o crônico e crescente problema do desemprego, sujeito a se agravar com a robotização, a vulgarização e ampliação da Internet e o uso das impressoras em 3D. Ou seja, não há mais trabalho para todos, enquanto as caixas de pensão para os velhos, sem um aumento da idade para a aposentadoria, irão à falência nos próximos anos.
Como financiar
Para o suíço Ralph Kundig, responsável pela divulgação e coleta de assinaturas da iniciativa, não se trata de uma distribuição de dinheiro sem contrapartida mas de uma nova forma de prestação social. O financiamento da renda para todos seria feito utilizando-se toda a verba utilizada atualmente para o recolhimento das contribuições e pagamento das pensões por velhice, doença e invalidez, mais toda ajuda social prestada às famílias e pessoas necessitadas. A unificação de todo esse aparelho e o encerramento de toda a máquina burocrática voltada para essas prestações mais a desativação do serviço de seguro desemprego e seus controles sobre os beneficiados correspondem a um total próximo do necessário ao rendimento para todos. A diferença deverá ser coberta com um imposto de 0,05 % sobre as transações eletrônicas financeiras.
Na sua fase inicial de aplicação diversos ajustes seriam necessários para não se prejudicar quem tem salário ou renda superior ao rendimento a ser distribuído a cada habitante. Levando-se em conta que esse rendimento deverá ser suficiente para uma pessoa viver normalmente, a proposta na Suíça é a de se tomar como referência um valor equivalente a 2.300,00 euros para maiores de 18 anos e 600,00 euros para os menores desde o nascimento. Uma família de casal com dois filhos poderia receber o equivalente a 5.800,00 euros, sem a preocupação de fazer poupança por ser uma renda garantida, que poderá ser aumentada com o salário de uma atividade normal. Em teoria, isso significaria uma melhor distribuição da riqueza do país e provocaria uma ativação geral da economia, no consumo de bens e serviços, num clima de paz social, pois os empregados de todos os tipos poderão negociar seus salários já tendo um mínimo de sobrevivência garantido. Outro aspecto é o de que trabalhos não remunerados como os das donas de casa e dos estudantes em formação passariam a ter uma renda.
Para o governo suíço que recomendou ao povo rejeitar esse projeto mirabolante, o risco é o de se levar o país à falência, pois a maioria das pessoas simplesmente deixaria de trabalhar contentando-se com esse mínimo. O socialista Alain Berset, ministro do Interior, alertou o povo para não se deixar embalar por uma utopia e salientou que ela provocaria o enfraquecimento da economia e acabaria com o incentivo para o trabalho e exercício de uma atividade lucrativa, aumentando a penúria da mão-de-obra, pois deixaria de trabalhar quem ganha igual ou menos que a renda proposta. Os críticos da proposta de renda básica afirmam também que, se aprovada, ela transformaria a Suiça numa espécie de Eldorado e se tornaria o destino privilegiado de todos os imigrantes.
Para demonstrar a irrealidade do projeto, o ministro utilizou sua formação de economista e argumenta com alguns cálculos : a desativação de todo o aparelho social atual significaria uma economia anual de 55 mil milhões de francos suíços, porém a distribuição de um rendimento de base incondicional (RBI) para toda população exigiria um adicional de 25 mil milhões. Além disso, o ministro acentua ser o trabalho não só um gerador de salário mas um fator de integração social.
O mesmo argumento é utilizado pelo presidente da Federação das Empresas, Ivan Slaktine, para quem o baixo índice de desemprego na Suíça não justifica essa mudança estrutural.
Mesmo não sendo aceita, essa iniciativa de vanguarda obrigará economistas, políticos e sociólogos a debaterem e repensarem suas teorias na perspectiva de uma alternativa social pós-marxista e pós-capitalista, pela qual uma grande parte da riqueza nacional seria repartida entre o povo, sem que se possa considerar o Estado como assistencialista.
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Rui Martins é jornalista e escritor