O presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad já não vem ao Brasil – percebeu que não seria bem-recebido. E não apenas pelas organizações judaicas, confissões evangélicas, religiões afro-brasileiras, bahai´s e ONGs de direitos humanos. É possível que o próprio governo brasileiro tenha induzido o governo iraniano a desistir da visita. A desculpa sobre a proximidade das eleições no Irã é esfarrapada demais para ser levada a sério.
Estamos diante de um caso extremamente importante porque voltará a colocar o Brasil favoravelmente nas primeiras páginas da imprensa mundial. Os jornalistas especializados em relações internacionais deverão esclarecer a questão nas próximas horas ou dias.
Perguntas: nossos jornalões têm especialistas dedicados em tempo integral à política externa? Há recursos, espaço e disposição para colocar profissionais acompanhando todas as áreas do Ministério das Relações Exteriores e as principais embaixadas sediadas em Brasília? Alguém monitora a imprensa internacional? Nossas redações estão aparelhadas para levar ao leitor brasileiro o que acontece no mundo além dos desastres, fofocas, modismos e banalidades?
A verdade é que o ‘caso Ahmadinejad’ não se diferencia dos demais temas acompanhados diariamente pela mídia. A cobertura da não-visita teve as mesmas características das demais coberturas, exceto talvez a política, econômica e a futebolística: foi claudicante, errática, insuficiente.
‘Desonra nacional’
O tapete mágico do tiranete persa foi abatido quando levantava vôo em Teerã. Depois da nota de protesto do governo brasileiro contra o seu discurso raivoso e intolerante na conferência da ONU sobre racismo, nossa imprensa limitou-se a cobrir as manifestações de rua contra a sua vinda ao país.
Ninguém se deu ao trabalho de informar ao distinto público que esta turnê latino-americana do dirigente iraniano resumia-se apenas a três países: a Venezuela, seu par constante, o Equador, satélite e comensal do regime bolivariano de Hugo Chávez, e o Brasil. Ninguém perguntou por que razão a Argentina foi excluída do roteiro.
Foi excluída porque as relações entre os governos de Buenos Aires e Teerã são péssimas desde que o presidente Nestor Kirchner acusou formalmente o regime iraniano como suspeito pelo horroroso atentado à sede da AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), em Buenos Aires, em 18 de julho de 1994, no qual morreram 86 pessoas e 300 ficaram feridas.
Foi então a maior ação terrorista desde o fim da Segunda Guerra Mundial, desbancada pela chacina do 11 de Setembro de 2001, em Nova York. O governo argentino chegou a exigir a prisão de oito dirigentes iranianos, inclusive do ex-presidente Rafsanjani, como co-responsáveis pelo atentado. Em 2006, o presidente Kirchner considerou como ‘desonra nacional’ a investigação inconclusa e a impunidade dos responsáveis.
Leitura pouca
É evidente que o Irã tentou incluir Buenos Aires no roteiro do périplo, não está excluída a possibilidade de Chávez ter exercido alguma pressão para convencer a presidente Cristina Kirchner a receber o inconveniente visitante.
O que chama a atenção é a total omissão da imprensa brasileira no tocante aos desdobramentos portenhos da gorada visita de Ahmadinejad. Ao leitor-cidadão brasileiro foi sonegada uma informação de capital importância sobre um chefe de Estado considerado persona non grata pela Argentina e que, não obstante, seria recebido aqui como hóspede do governo.
Também não chegou ao conhecimento do público brasileiro a mais recente barbaridade em matéria de direitos humanos cometida pelo regime de Ahmadinejad: a execução na sexta-feira (1/5) de Delara Darabi, pintora de 22 anos condenada à pena capital quando tinha 17.
Delara confessou um latrocínio que não cometeu para inocentar o noivo, maior de idade, o culpado. O caso apaixonou o país porque ao longo desses cinco anos de prisão a jovem converteu-se numa consumada artista plástica com os seus dramáticos desenhos sobre a vida no cárcere.
A União Européia intercedeu, a Anistia Internacional entrou em ação clamando pela suspensão da pena de morte no Irã e, em 12 de abril, um dos aiatolás determinou a interrupção por dois meses da sentença condenatória. Não foi atendido: Delara foi enforcada na última sexta-feira.
Nenhuma linha na grande imprensa brasileira: início do feriadão, redações esvaziadas em regime de plantão, ninguém se mexeu – o Irã é muito longe. Nas redações brasileiras tudo é muito longe, tudo é muito remoto.
O espanhol El País publicou enorme matéria sobre a execução de Delara Darabi em sua edição de domingo (3/5, pág. 4), porém ninguém lê El País, embora seja vendido nas principais bancas do Brasil. O que menos se faz em nossas redações é ler. Exceto releases.
Nesta quarta-feira (6), Ahmadinejad seria recebido pelo presidente Lula e, ao que tudo indica, nenhum repórter brasiliense teria condições de perguntar aos anfitriões ou aos hóspedes algo a respeito desta crueldade.
Cada vez menos
O problema da nossa imprensa é este: o mundão da atualidade transforma-se em mundinho, espremido pela falta de discernimento e curiosidade da rapaziada que controla as portarias das redações. Foi assim que no dia 1º de abril de 2009 passaram em brancas nuvens os 70 anos do fim da Guerra Civil espanhola. Foi assim que em 10 de novembro de 2007 esqueceram de lembrar os 70 anos do Estado Novo, a mãe de todas as ‘ditabrandas’ da nossa história.
A precariedade da cobertura do ‘caso Ahmadinejad’ não resulta de um acidente, é regra geral. Nossa imprensa não oferece à sociedade o conhecimento a que tem direito. Nem mesmo num caso transcendental como a revogação da Lei de Imprensa (ver ‘O comportamento ambíguo dos jornais‘, ‘A decisão, voto a voto‘ e ‘Muito além da letra da lei‘).
A liberdade de expressão e o acesso à informação – aparentemente garantidos – estão sendo continuamente desperdiçados pela deficiência do sistema que deveria alimentá-los. O brasileiro sabe cada vez menos e exige cada vez menos dos seus veículos de comunicação. E assim viverá feliz para sempre.
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