Anúncio de página inteira publicado nos jornalões brasileiros, na terça-feira (6/4), exalta os supostos benefícios da propaganda. Assinado por entidades de anunciantes e de agências de publicidade, ele tenta reagir às iniciativas em favor da existência de um controle público sobre a propaganda. Trata-se de uma vitória dos movimentos sociais e das entidades empenhadas na luta por uma regulação mais rígida sobre essa atividade. Mostra, pelo menos, que elas começam a incomodar quem se julgava intocável.
Não fossem ações como as do Instituto Alana, com o seu projeto ‘Criança e Consumo’, por exemplo, e os publicitários jamais deixariam de lado o atendimento de suas ricas contas para preparar e publicar um texto incrivelmente enganoso, aliás como muitas de suas peças publicitárias.
Depois de exaltarem a importância da propaganda na disputa pelo mercado, chegam a uma conclusão inédita: ‘A grande maioria das pessoas gosta de propaganda.’ Não dizem de onde tiraram tal conclusão. De que pesquisa saíram os dados para sustentar afirmativa tão cabal. É só mais um slogan, tão a gosto do meio.
Uma conivência silenciosa
Mas não ficam por aí. No final do texto está a resposta ao Instituto Alana e aos parlamentares comprometidos com uma legislação mais moderna para o setor. Diz o anúncio: ‘E quando alguém não gosta (da propaganda), faz o óbvio: muda de canal na hora do intervalo, troca a estação de rádio, deixa de ler o anúncio publicado no jornal.’ Simples, não? Ou simplista demais?
Claro que quem escreveu esse texto sabe que isso não é verdade. Eles mesmos produzem os merchandisings que campeiam à solta nas novelas, programas de auditório, transmissões esportivas e são veiculados de forma a impossibilitar a tal mudança de canal na hora do anúncio. Sabem também que ninguém vai girar o botão do rádio quando começa um comercial que o ouvinte, obviamente, nem sabe ainda do que se trata. E é difícil fechar os olhos para uma página inteira de jornal como essa publicada sob o patrocínio das entidades das agências de propaganda e dos anunciantes.
Afinal, a missão desses profissionais é fazer de tudo para que o telespectador, o ouvinte e o leitor não desgrude da mensagem e introjete o seu conteúdo. É um contra-senso pedir para que eles fujam de algo embalado pelos publicitários para conquistá-los. Em novela recente, em meio à fantasia, a madame entra no carro novo sob o olhar de cobiça da empregada e ressalta, entre as várias qualidades do veículo, o fato de ele ter o piso alto, ficando imune às enchentes. Focalizava-se com destaque a marca do carro e passava-se a mensagem de que, com ele, o problema social das enchentes estaria resolvido. Individualmente, para quem pudesse comprar o tal carro. Aos demais, a lama ou o afogamento.
Mas, voltando ao anúncio publicado nos jornais. A frase final, referindo-se à possibilidade de mudar de canal, de emissora ou de página, é primorosa: ‘É impressão nossa ou isso é o direito de escolha levado a sério?’ Direito de escolha? Escolher entre o que? Entre emissoras que transmitem programas iguais, veiculam os mesmos anúncios e não dão nenhuma alternativa aos hábitos consumistas, individualistas e anti-sociais? E mais, que violam a lei sem cerimônia ao ultrapassar o limite máximo de 25% da programação permitido para propaganda no rádio e na TV. Com a conivência silenciosa de agências e anunciantes.
Os limites da farra
Quando dirigidos às crianças, os efeitos da publicidade tornam-se ainda mais perversos. A presidente do Instituto Alana, Ana Lucia Vilela, conta que até em áreas carentes de cidades como São Paulo já é possível perceber esse fenômeno. A partir de um projeto social desenvolvido pela instituição na zona leste da cidade constatou-se que ‘crianças cujas famílias dependem de cestas básicas não saem de casa sem passar batom. Que acham que a maior felicidade do mundo é ter cabelos longos e loiros iguais aos da Barbie. Meninas que vestem micro-saias e ficam grávidas na adolescência. Meninos que insultam mulheres e tomam cerveja. Mães que, depois de muito choro e muita insistência dos filhos, gastam todo seu dinheiro para comprar um boneco Power Ranger. Filhos que depois de ganhar um Power Ranger, brincam dois dias, abandonam o boneco e começam a pedir a próxima novidade anunciada na televisão. Ou ainda garotos que falam que agora, sim, os pais podem comprar tudo o que querem porque determinado banco oferece crédito acompanhado de alguns bonequinhos de brinde. Crianças e adolescentes brasileiros repetindo diariamente o nome de inúmeras marcas, que algumas vezes estão entre as dez primeiras palavras de seu recém-formado vocabulário’.
Diz ainda que ‘do Rio Grande do Sul ao Amapá, das periferias dos grandes centros urbanos ao interior da Bahia, eles querem se vestir e comer da mesma forma. Querem marcas – usar o tênis Nike, comer Fandangos e ter a mochila da Hello Kitty. Preferem não ir à praia ou ao campo porque sabem que lá não encontrarão TV ou videogame. Trocam o suco de mexerica por Coca-Cola, e arroz, feijão e couve por Big Mac com batata frita’.
Para Ana Lucia, ‘os pais não são os únicos responsáveis pelos filhos que não param de pedir produtos vistos na TV, que são obesos, sexualmente precoces ou com comportamentos violentos. A responsabilidade maior está nas empresas e agências de publicidade que apostam no mercado infantil, procurando a vulnerabilidade de cada faixa etária da infância e adolescência para criar consumidores fiéis: as crianças de consumo’.
O anúncio dos publicitários e dos anunciantes publicado nos grandes jornais é uma reação à denúncias como essa, aos projetos de lei tramitando no Congresso para por limites nessa farra e ao aumento das pesquisas científicas mostrando os males da propaganda. Reação de quem se acha acuado e percebe que o tempo dos privilégios está acabando.
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Sociólogo, jornalista, professor de Jornalismo da ECA-USP e autor, entre outros, de A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão (Summus Editorial)