De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 700 pessoas já morreram em decorrência da gripe suína, causada pelo vírus H1N1. Somente no Brasil foram confirmadas até o momento pouco mais de 20 mortes. Diante da ameaça de uma pandemia, autoridades da área de Saúde e médicos mobilizam-se para conscientizar a população sobre as formas de prevenção e o tratamento adequado à gripe. Na batalha contra a disseminação do vírus, a mídia é a forma mais ágil de chegar a milhões de lares brasileiros. O programa Observatório da Imprensa exibido pela TV Brasil na terça-feira (21/07) discutiu o papel dos meios de comunicação na conscientização da população.
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, participou do programa pelo estúdio de Brasília para responder a perguntas de jornalistas. Médico sanitarista formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Temporão é especialista em doenças infecciosas e tropicais e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em São Paulo, a convidada foi Luciana Constantino, editora do caderno Vida& de O Estado de S.Paulo, responsável pela área de Saúde. Pâmela Oliveira, repórter da Editoria Saúde de O Dia, participou pelo estúdio do Rio de Janeiro. A repórter recebeu três vezes o Prêmio Alexandre Adler de Jornalismo em Saúde.
Antes do debate ao vivo, na coluna A Mídia na Semana, o jornalista Alberto Dines comentou assuntos de destaque dos últimos dias. O primeiro assunto foi a proibição imposta por um juiz ao colunista José Simão, da Folha de S.Paulo, de citar o nome da atriz Juliana Paes associado à palavra ‘casta’. Em seguida, Dines avaliou a cobertura da imprensa sobre os 40 anos da chegada do homem à lua. O último assunto da seção foi o fato de políticos colocarem a culpa na imprensa quando surgem escândalos. ‘Os corruptos de antigamente conviviam com o ‘rouba mas faz’. Hoje os acusados têm outra desculpa, dizem que a culpa é da imprensa’, disse.
No editorial que precede o programa ao vivo, Dines avaliou que os avanços da medicina não conseguiram espantar os fantasmas das pestes, como a Negra e a Bubônica, nem apagar da memória a tragédia da gripe Espanhola. ‘Ao contrário do que aconteceu com a Gripe Asiática de 1957, que matou um milhão de pessoas, a Suína encontrou a Organização Mundial de Saúde muito bem preparada e articulada, pronta para converter os surtos anuais em exercícios de prevenção para o ano seguinte’, avaliou.
Pânico nos primeiros momentos
A reportagem exibida pelo Observatório mostrou as opiniões de jornalistas e especialistas. Célia Regina Costa, repórter que participa da cobertura da epidemia de gripe suína para O Globo, contou que no início, quando o Brasil ainda não tinha casos registrados, a população ficou muito preocupada com as notícias do exterior. Houve pânico, pessoas que não estavam doentes compravam o remédio indicado para o tratamento para estocar em casa. O papel da imprensa nesta fase foi essencial.
Por meio de entrevistas com especialistas, a mídia explicou à população quais eram as medidas de prevenção mais eficazes. A jornalista avalia que a imprensa não está sendo municiada de todas as informações ‘Toda a cobertura de gripe suína está ligada ao ministério da Saúde, que não fala muito’, disse. Ana Lúcia Azevedo, editora de Ciência do mesmo jornal, disse que o importante neste tipo de cobertura é transformar a linguagem técnica em uma informação que todos os segmentos da sociedade possam compreender.
O infectologista Alberto Chebabo, do Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) acredita que a mídia tem um papel importante na ‘não-geração do pânico’. Chebabo explicou que a disseminação da gripe suína na população é grande, mas que o índice de letalidade é relativamente baixo. Pode ser comparado ao da gripe sazonal que atinge a população no inverno. O infectologista advertiu que ninguém tem imunidade para o vírus. Em relação à situação na Argentina, Chebabo disse que houve ‘uma mistura explosiva de política com saúde’.
Fabiane Leite, repórter da editoria Vida& de O Estado de S.Paulo, comentou que a transparência foi essencial nas primeiras semanas da disseminação, quando ocorreram inúmeras mortes no México. A maioria dos grandes jornais destacou correspondentes para a cobertura naquele país, mas depois houve um lapso. Mesmo com uma cobertura mais discreta, os jornais informaram que o vírus começaria a circular no hemisfério Sul conforme o inverno se aproximava.
Pontos de vista da Argentina e dos Estado Unidos
Por internet, o jornalista Caio Blinder, que vive em Nova York, avaliou que a cobertura nos Estados Unidos foi diversificada. Misturou sensacionalismo e serviço de utilidade pública. No início da epidemia, os canais de jornalismo 24horas ‘elevaram a temperatura’, em particular no noticiário local. ‘O alarde cresceu devido à origem mexicana da gripe suína, com uma conotação até racial’, disse. Conforme o número de casos diminuiu, a cobertura ficou ‘bem mais calma’. A corrida para conseguir a vacina e o perigo do aumento do número de casos quando o outono chegar ao país têm destaque na mídia. ‘O noticiário sempre vem com essas doses de informação e de confusão’, criticou.
O jornalista Ariel Palacios, que vive em Buenos Aires, explicou que a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, tentou minimizar os efeitos da gripe suína no país às vésperas das eleições parlamentares. Após o pleito, o número oficial de mortos disparou, o que levou à imprensa a duvidar dos dados e cruzar as informações das diferentes províncias. A contabilidade feita pela imprensa se tornou mais confiável do que a anunciada pelo governo federal. ‘Na ausência de um governo central responsável para acalmar a população e informar sobre medidas a tomar perante a pandemia, a mídia argentina tomou esse espaço no país e está fazendo uma cobertura bastante equilibrada’, avaliou.
Uma descoberta em tempo real
No debate ao vivo, Dines pediu para o ministro da Saúde traçar um paralelo entre a situação no Brasil e na Argentina. José Gomes Temporão explicou que o fenômeno é novo para a humanidade, cientistas, sanitaristas e para a mídia. Pela primeira vez, um micro-organismo está sendo acompanhando ‘praticamente em tempo real’. O fenômeno acarreta vantagens na disseminação da informação e na capacidade de os pesquisadores coletarem dados. Mas pode criar ruídos, ansiedade e confusão. O que diferencia o panorama brasileiro do argentino é que o governo do Brasil preparou-se para uma pandemia de gripe aviária em 2004 que acabou não ocorrendo. Foi traçada uma estratégia de mídia que foi adaptada para a gripe suína logo depois de a OMS ter anunciado a pandemia.
O ministro destacou os pontos positivos da Saúde no Brasil: a qualidade e a capacidade do sistema público de Saúde e da vigilância epidemiológica, o treinamento dos profissionais e os esforços de contenção. Para o ministro, nesta fase inicial, as autoridades foram transparentes, presentes e acessíveis. Estes fatores permitiram que durante 80 dias o vírus não circulasse no Brasil. Mas a partir do momento em que a gripe se disseminou na sociedade a estratégia precisou ser alterada.
Na avaliação de José Gomes Temporão, a cobertura dos canais de TV manteve uma ‘linha boa’. O ministério da Saúde está presente no YouTube e no Twitter. Duas vezes ao dia, o ministro recebe boletins através dos quais pode avaliar o ‘humor dos internautas’ e ter conhecimento das polêmicas que tomam conta da rede. Com isso, pode refinar a estratégia de ação. ‘Na mídia impressa, minha avaliação de modo geral é boa. Com alguns problemas, alguns percalços, alguns ruídos de comunicação, algumas interpretações inadequadas, mas meu balanço no geral é positivo’, disse.
Há medicamento suficiente?
A questão do medicamento adequado ao tratamento da gripe suína foi levantada por Luciana Constantino. A jornalista perguntou ao ministro sobre a eficácia e a distribuição do produto. José Gomes Temporão disse que este é um dos pontos mais delicados e que levanta mais dúvidas na sociedade. O ministro afirmou que o governo tem a substância específica para o tratamento estocada e receberá mais doses em breve. ‘Nós temos que ter critério e parâmetro para o uso do medicamento’, ponderou. Assim como a gripe comum, 99,6% dos doentes são curados. A grande maioria não precisa de medicamento específico.
A substância contra o vírus H1N1 é administrada em dois casos, de acordo com o protocolo da OMS. O primeiro são os pacientes que fazem parte de grupos de risco: cardiopatas, portadores de doenças pulmonares, diabéticos, obesos mórbidos, pacientes com o sistema imunológico debilitado, crianças menores de 2 anos, grávidas e pessoas com mais de 60 anos. Pacientes sem estas condições pré-existentes, mas que desde o início apresentam uma gravidade maior, também recebem a substância.
‘Eu tenho visto, principalmente na internet, muita crítica a isto. Dizem que é um absurdo, que o medicamento tem que estar por aí. Eu vi até, para a minha perplexidade, alguns médicos, que se dizem especialistas, dizerem que tem que dar o remédio a todo o mundo, como se fosse bala jujuba. Isto é uma irresponsabilidade atroz porque eu estaria colocando em risco o único instrumento que eu tenho para controlar a doença’, disse.
A situação do Rio de Janeiro
Pâmela Oliveira perguntou ao ministro se os hospitais estão preparados para atender à demanda gerada pelos grandes números de casos de gripe suína. O ministro afirmou que nenhum sistema de saúde do mundo está preparado. Além dos contaminados, há um grande número de pessoas que não estão com os sintomas da doença, mas procuram o hospital para buscar informações. José Gomes Temporão destacou que este quadro não ocorre em todo o Brasil.
O fenômeno é mais visível no Rio de Janeiro. O ministro criticou fortemente o setor de Saúde do Estado. ‘O Rio de Janeiro, durante décadas, se dedicou a destruir o sistema de Saúde. Os vários governos. Não há uma rede de atenção básica, não tem uma estrutura de atenção primária. Toda a atenção é concentrada em poucos hospitais’, censurou.
Para o ministro, o papel das autoridades e da mídia é passar informações adequadas para a população com qualidade, transparência e didatismo. A principal informação que precisa ser divulgada é a de que atualmente no Brasil circulam dois tipos de vírus de gripe: o da gripe sazonal e o da gripe suína. E a conduta para os profissionais de Saúde será a mesma nos dois casos porque os sintomas, a letalidade e o tratamento são similares. ‘Muita gente fica perplexa: ‘como é que eu vou ser tratado se eu não sei se tenho a nova gripe?’ Do ponto de vista médico, nesse momento, isso deixa de ter qualquer importância’, explicou.
Informação como arma
José Gomes Temporão disse que o cidadão deve manter-se informado. Além da mídia tradicional, pode buscar informações no Disque-Saúde (0800 611997) ou na home page do ministério (www.saude.gov.br). E deve ter em mente que o vírus é muito parecido com o da gripe comum. Os sintomas são semelhantes: febre acima de 38º, tosse, dor muscular, dor articular, dor de garganta e dificuldade respiratória. Quem apresenta estes sintomas deve buscar atendimento nos postos de saúde ou, para quem possui plano de saúde, com médicos conveniados. Os hospitais devem ser evitados.
‘Busque atendimento. Não fique em casa tomando chazinho da vovó porque não vai dar certo’, alertou. O ministro informou algumas medidas práticas do ponto de vista pessoal que devem ser adotadas. É importante lavar as mãos com água e sabão várias vezes ao dia, proteger a boca e o nariz com lenço ao espirrar e tossir e não compartilhar objetos de uso pessoal. ‘Se mantenha bem informado, se alimente bem e, se tiver os sintomas da doença procure, seu médico’, explicou.
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Gripes, pestes e o papel da mídia
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 512, exibido em 21/7/2009
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Começou como Gripe Mexicana, passou a ser Suína, logo ganhou o código de H1N1 e finalmente foi carimbada como ‘A’, designação nada animadora, sinal de que em breve teremos a gripe B, C, Y, Z – tal como acontece com os tufões que já completaram o abecedário diversas vezes.
Os progressos da medicina não conseguiram espantar os fantasmas das pestes. A peste Negra e a Bubônica ainda não foram varridas do imaginário da humanidade, lembram castigos divinos. Quando se fala em gripe, logo recordamos a Espanhola, praga que matou cerca de 40 milhões de pessoas, mais do que o número de vítimas da Primeira Guerra Mundial.
Apesar do gentílico, ela não nasceu na Espanha, lá talvez tenha encontrado as condições para reforçar sua virulência e letalidade. O mesmo poderia acontecer com o atual surto que, embora começado na América Central, multiplicou-se na Argentina e de lá está se infiltrando no sul do país.
Ao contrário do que aconteceu com a Gripe Asiática de 1957 que matou um milhão de pessoas, a Suína encontrou a Organização Mundial de Saúde muito bem preparada e articulada, pronta para converter os surtos anuais em exercícios de prevenção para o ano seguinte.
Qual o papel da imprensa diante do retorno do fantasma das pestes? Quem vai responder a esta questão é o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.