A cada terça-feira que passa ratifico a minha convicção de que devemos, todos nós que temos o mínimo de inquietação com o quadro há muito desenhado da educação brasileira, dedicar alguns momentos do nosso dia para assistirmos às reuniões da Comissão de Educação, Cultura e Esporte – CE do Senado Federal. Não se trata de uma campanha para aumentar a audiência da TV Senado, mas é que tal comissão vem ambientando instigantes debates, ao menos para aqueles que se interessam pelos temas da referida comissão. Há algumas semanas, o atual presidente da CE, senador Roberto Requião, convidou alguns presidentes de clubes para debater a questão das vendas do direito de transmissão de jogos para emissoras televisivas. Em poucas audiências públicas foi possível observar a promiscuidade que rodeia todo este processo.
Na últimas terça (31/5), a audiência pública foi para debater a questão da escolha por parte do MEC de alguns livros didáticos para o ensino fundamental. Para quem não está por dentro do debate, é o seguinte: há algumas semanas a Folha de S.Paulo (não é mera coincidência) noticiou que o MEC distribui livro didático que “defende errar concordância”. A reportagem se referia ao livro Por uma vida melhor, da coleção Viver, Aprender, lançado pela editora Global e produzido pela ONG Ação Educativa. O referido livro é destinado ao segundo segmento do ensino fundamental da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e traz no primeiro capítulo uma instigante e nada tradicional discussão sobre variantes da língua portuguesa. Na página 15, para exemplificar a discussão de que muitos de nós participamos em nosso ensino fundamental sobre norma culta e norma popular, os autores defendem que o leitor pode, na variante linguística popular, falar “os livro”.
Um pequeno exercício de leitura
Pronto. Era o que faltava para que setores da grande mídia e alguns intelectuais de plantão vociferassem aos quatro cantos que o MEC está distribuindo livros didáticos que preconizam erros gramaticais. E, como que seguindo a inexorável lógica da natureza, os tucano-pefelistas do Congresso trataram de levantar esta questão como bandeira política da semana e foram para cima do ministro Haddad com gosto de gás, como dizemos aqui no nordeste.
Além de acusar o MEC de estar agora querendo disseminar as formas de expressão do ex-presidente Lula – subtenda-se, aquele linguajar baixo, vil, de nordestino semi-analfabeto que sequer pisou em uma universidade, olimpo dos intelectuais, os tucanos-pefelistas (muito mais os tucanos, é verdade, pois estes parecem ser mais afeitos à leitura que aqueles) –, acusam o MEC de escolher livros enviesados ideológica e politicamente, que elogiam o governo do ex-presidente Lula e criticam o governo do ex-presidente FHC.
Mais uma vez, setores da mídia e parte da oposição tentam, através de factoides, “sangrar” o governo. Factoides, sim, pois bastava que os ilustres senadores tucano-pefelistas e todos aqueles que acusam o MEC de disponibilizar livros didáticos que defendem erros gramaticais, lessem o primeiro capítulo por completo do livro Por uma vida melhor, ou se não conseguissem, por conta do grande volume deste capítulo que chega a 27 páginas, lessem apenas da página 11 até a página 16. Se tivessem realizado este pequeno exercício de leitura, os nobres compreenderiam, acredito, a contextualização do livro, que busca naquele início de capítulo discutir características da língua portuguesa e a importância da norma culta para o universo letrado. Sobre tal fato, vale ressaltar que a Associação Brasileira de Linguística (Abralin) e a Associação Brasileira de Linguística Aplicada do Brasil (Alab) já manifestaram apoio à obra em debate.
Pressão da direita
No tocante á acusação de que o MEC está permitindo a ideologização dos livros didáticos de História do ensino fundamental público, não passa de mais uma tentativa, destes que sempre fizeram parte do grupo dos donos do poder e que contaram e escreveram a história como lhes convinham, de registrar nos anais da história o que lhes interessa. Independente de qual o espaço do governo Lula ou do governo FHC nos livros didáticos, penso ser absurdo renegar a análise dos últimos dezesseis anos da nossa história, como sugerido por alguns senadores.
Além do que, esquecem-se os nobres parlamentares de colocar em pauta algo muito importante nesta discussão, qual seja, o funcionamento do programa Nacional do Livro Didático, que estabelece que cabe ao (a) professor(a) a escolha do livro que utilizará para ministrar suas aulas.
A postura do ministro Haddad na audiência que debateu toda esta temática foi positiva, e poderia demonstrá-la transcrevendo uma parte do debate. Trata-se do momento em que o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) questionou o ministro sobre os livros disponibilizados para o ensino fundamental e disse: “Até o ditador soviético Josef Stalin defendia a língua em sua forma mais culta durante o regime soviético.” Respondeu de pronto o ministro Haddad, que fez sua dissertação de mestrado sobre o sistema sócio-econômico soviético: “Há uma diferença entre Hitler e Stalin que precisa ser devidamente registrada. Ambos fuzilavam seus inimigos, mas Stalin lia os livros antes de fuzilá-los. Estamos vivendo, portanto, uma pequena involução, estamos saindo de uma situação stalinista e agora adotando uma postura mais de viés fascista, que é criticar um livro sem ler.”Referia-se o ministro a alguns que criticaram o livro sem o ler.
O que se espera, de fato, é que o MEC mantenha essa postura e não se curve à pressão da direita fascista, como em 2007, quando retirou o livro Nova História Crítica de Mário Schmit por conta da investida destes mesmos que agora tentam censurar novamente livros escolhidos por aqueles que de fato leem e conhecem cada obra, os professores do ensino público brasileiro.