‘A Internet é uma mídia em que a notícia está, pelo menos teoricamente, sempre em processo de melhoria. Por não ter uma única edição, mas contínuas, é possível lançar uma notícia que esteja incompleta, mas seja relevante. Na medida em que chegarem novas informações, é possível atualizá-la.
Acontece que esse processo contínuo não deveria escamotear alguns princípios do bom jornalismo. Um deles é procurar ouvir as versões de acusados, o chamado ´outro lado´, principalmente quando há acusações.
Pois bem. Hoje, o UOL manteve por mais de cinco horas em sua manchete link para reportagem com crédito ´da redação, com informações da Agência Estado´, em que anuncia uma operação da Polícia Federal contra a negociação e venda pela Internet, em 14 Estados, de diplomas universitários falsos. O UOL optou, inclusive, por dar ênfase à prisão de uma única pessoa, um garoto suspeito de liderar o esquema (sua manchete é ´PF prende suspeito de vender diplomas pela Web´). O UOL dá nome seu nome completo, idade (que pulou de 21 para 22 anos sem retificação), mas não mostra nenhum esforço em ouvi-lo, para que conte sua versão. Houve tempo suficiente para que se tentasse um contato com ele, seu advogado ou algum parente.
O portal limitou-se à versão burocrática da Polícia Federal. Perdeu a chance de enriquecer o material, com informações independentes das policiais. Se o garoto for inocente, relacionou seu nome a um crime que não cometeu. Se ficar comprovada a participação do garoto, temos aí uma grande história, que UOL poderia ter começado a contar: como um rapaz de 22 anos, no interior do Mato Grosso, consegue movimentar e chefiar em 14 Estados uma rede de negociação de diplomas falsos de faculdades de medicina, direito, engenharia, entre outros.
Em tempo: o UOL não foi o único. A maioria dos concorrentes também divulgou o nome completo do garoto sem a preocupação de ouvi-lo, mostrando um comportamento repreensível, mas difundido na Web: o de publicar acusações sem as versões dos acusados. Vi apenas em um portal de notícias o cuidado de não citar o nome do garoto não ouvido.
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UOL lê o UOL? (10/3/08)
Manchete hoje no UOL: ´Receita [Federal] ´caça` 2.600 que teriam sonegado R$ 1 bi´. O link ia para um texto que pouco acrescentava sobre a caçada. Exatas duas frases sobre o tema, no lide: ´a Receita Federal do Brasil iniciou nesta segunda-feira a primeira de uma série de operações de fiscalização, tendo como alvo 37 mil contribuintes pessoas físicas sob suspeita de sonegação fiscal. Entre os investigados, 2.600 são suspeitos de sonegar cerca de R$ 1 bilhão (em impostos atrasados, multas e juros).` O restante do texto falava sobre restituição da malha fina. Ou seja, não se sabe que tipo de suposta sonegação ocorreu, por quanto tempo, como a Receita chegou a esses 2.600 (ou 37 mil) contribuintes, no que consiste a operação, o que ela implica, em que locais do Brasil está se dando, quem está envolvido. Resumindo: era texto inconsistente para merecer manchete.
O curioso é que o próprio UOL, no dia 4 de março, deu submanchete para texto de repórter em Brasília em que explicava bem melhor como e por que haveria a operação. E mais: havia um erro na manchete de hoje. Os tais 2.600 (2.634 segundo a reportagem do começo de março) não são suspeitos de sonegar R$ 1 bilhão. Esse é o valor que a Receita espera arrecadar, somando juros e multas de 75% a 150%. Isso ainda, se todos eles, de fato, sonegaram e forem pegos, porque nem isso é líquido e certo. Pelo que diz a Agência Brasil hoje, os contribuintes suspeitos terão chance de se explicar e poderão, no final, nem ser multados.
Minha pergunta: por que o UOL decidiu dar manchete para assunto já divulgado, com pouca ou nenhuma informação e, ainda por cima, com aparente erro? Pela busca de uma manchete ´sensacional` (´caça´, ´R$ 1 bilhão´)? Ou simplesmente porque o UOL não lê o próprio UOL? (Detalhe: a manchete só foi trocada após a ombudsman avisar que trataria do assunto neste blog).
O UOL produziu uma errata sobre o caso às 17h34. Chama atenção não fazer referência ao fato de a notícia ter sido manchete do portal e submanchete em UOL Economia por horas.
Insensibilidade
UOL usa chapéu ´Diversão e Arte` para assunto nada divertido
No final de semana, o UOL fez um bloco sob o chapéu ´Diversão e Arte` para reportagem com trecho do livro ´Cartas à Mãe – Direto do Inferno´, de Ingrid, Mélanie e Lorenzo Betancourt. Leitores apontam ´falta de sensibilidade` do UOL ao tratar tema tão doloroso sob chapéu tão ´divertido´. Não teria sido o caso de fazer um chapéu que não ofendesse o leitor? Vejo que cada vez mais a home faz chapéus que não seguem a regra de ser o nome da estação a que pertencem as chamadas. Não poderia ter optado por ´Arte` ou ´Livros e artes` ou ´Literatura e Arte` ou mesmo ´Guerra e paz´?
Redação responde
Abaixo está a resposta do gerente geral de notícias do UOL, Rodrigo Flores, a quem agradeço.
´Tereza,
1. Houve erro de avaliação da Redação na decisão de alçar à manchete a notícia do início da operação de fiscalização, que já havia sido destacada pela home page na semana passada. Sobre a informação do texto do Valor Online que incluiu juros e multas no total do valor considerado sonegado, publicaremos nota na seção ´Erramos´.
2. Temos por prática usar nomes de estações do UOL para nomear os blocos da primeira página. É por isso que há blocos ‘Estilo’ que remetem a UOL Estilo, ‘Biblioteca’ que remetem a UOL Biblioteca, e assim por diante. Contudo, há espaço para exceções, e o caso citado parece-me um bom exemplo disso. Embora o lançamento de livros seja assunto de UOL Diversão e Arte, concordo que o chapéu deveria ser outro. ´Livros e artes´, por exemplo. A equipe de plantão já foi alertada para o fato.
Obrigado,
Rodrigo’