TELEVISÃO
O Big Brother do bem, 3/09/07
‘O Quem Perde Ganha do SBT entrou na terceira semana.
Na semana passada aconteceu a primeira eliminação. Eliminaram o Paulo. Não importa quem seja o Paulo; eu assisti ao programa pela primeira vez na semana passada e o Paulo, até onde consegui saber, foi eliminado pelos colegas por ser uma pessoa com ‘condições’ de se cuidar.
Para quem na sabe, esse programa é o Big Brother dos gordinhos. Todavia, ao contrário de seu parente global, nesse reality¬ permitam-me uma brincadeira de gosto duvidoso, mas apropriada:¬ ninguém quer comer ninguém. Aliás, comer é uma palavra proibida. O grande vencedor irá receber um prêmio de R$200 mil. Para tanto, deverá suar, sofrer, fechar a boca e emagrecer muito.
É um programa curioso. Ainda comparando com o outro, eu diria que ele é do bem. A necessidade dos participantes é outra. Ali ninguém pretende receber uma proposta da Playboy ao final do programa. Ficarão eufóricos e se sentirão premiados se receberem um exame de sangue com ótimos resultados.
Tão importante quanto ganhar o prêmio final, é permanecer na casa. O Paulo, disseram, tinha condições de se tratar. Os demais daquela equipe, não. Por isso, ficar na casa significa poder ter acesso a nutricionistas, assistência médica, participar de um programa de reeducação alimentar e de um treinamento físico que, fora dali custaria muito caro.
Com o andar da carruagem irão surgir as víboras, no caso, as jibóias. Se não surgirem espontaneamente, alguém as irá criar e provocar porque um reality não prospera em um clima de total amizade.
Enquanto isso, os gordinhos são submetidos diariamente às mais implacáveis torturas. No último programa tiveram que resistir à uma espetacular feijoada e tiveram que montar uma ‘torre’ com pizzas, pães, tortas, bolos. E as pizzas, tortas, pães e bolos deveriam ser carregados com a boca.
Tirando a parte do conteúdo emocional, o programa carece de assunto e de entretenimento. Eles fazem ginástica e isso não chega a ser interessante, mas apenas preocupante. A presença de um psiquiatra que propõe alguns exercícios, conceitualmente é boa idéia. O doutor que apareceu, infelizmente, tem pouco carisma. Uma doutora que dá receitas de baixa caloria, e vende seus produtos, também não nasceu para encantar grandes platéias.
A pesagem final demora muito tempo. A eliminação, idem. Conclusão: o programa é simpático, a causa é boa mas ficaria bem melhor com a metade do tempo.
Márcio Alemão é publicitário, roteirista, colunista de gastronomia da revista Carta Capital, síndico de seu prédio, pai, filho e esposo exemplar.’
COMUNICAÇÃO CORPORATIVA
O morto na loja, 1°/09/07
‘Na ultima sexta-feira, na cidade de São Paulo, durante um assalto a um grande supermercado, um vigilante morreu ao tentar defendê-lo. Mais uma vítima da violência urbana, mais um número na estatística. Alguém poderia dizer que morrer faz parte da descrição de função da profissão de vigilante. Como os soldados nas guerras. E que o injusto mesmo é morrer de bala perdida, que quase sempre encontra um inocente no caminho.
Mas o que chama a atenção de quem ainda consegue se manter imune à banalização da morte e às inúmeras notícias da violência trazidas pelos cadernos das editorias de Cidade é a maneira como a empresa tratou o fato: tinha um corpo de um funcionário, sem vida, estendido no chão, entre prateleiras e produtos à espera dos procedimentos legais. A decisão da gerência do mega estabelecimento comercial rejeitou qualquer possibilidade de interromper os negócios até a retirada do corpo, o que acarretaria, talvez, um faturamento menor durante algumas horas. Como a vida não pode parar e o caixa tem que tilintar, uma providencial lona plástica preta ocultou o cadáver. Assim, os negócios na loja prosseguiram como se nada houvesse.
Essa história lembra uma frase de Arthur Miller na peça ‘A morte do caixeiro viajante’: ‘morto, ninguém vale nada’. Ainda mais um empregado do pé da pirâmide, um vigilante pobre. Na foto publicada nos principais jornais via-se a seqüência dos caixas em perspectiva. Neles, os consumidores aparentemente indiferentes ao morto e aparentemente satisfeitos com suas compras. Se fosse um filme, o barulho histérico de caixas registradoras e o zunzum de consumidores empenhados a lotar seus carrinhos seriam a trilha sonora para a imagem do cadáver escondido.
Mas não é ficção. Sob aquela lona, o morto, os mistérios da morte, os simbolismos, o desconhecido e a dificuldade de se lidar com o assunto. Aquele inconveniente morto, em silêncio, levantava uma última dúvida: o que fazer com os mortos, principalmente quando morrem na linha de produção, no escritório, em casa, nos andares mais altos dos prédios, em lugares assim tão inadequados para quem permanece vivo?
A direção do estabelecimento tratou do caso como quase sempre se age, diante de qualquer coisa que ameace a agenda: toda a atenção deve ser direcionada aos interesses da empresa, aos seus resultados financeiros. Entre os muitos vivos ali presentes, ávidos a consumir, aquele cadáver não poderia ser um empecilho. Cobriu-se o morto com uma lona. Pronto.
As empresas não sabem tratar e comunicar a morte e a doença, principalmente no ambiente do trabalho. O cotidiano laboral não sabe conviver com o desespero, o fato consumado, o sinal do corpo enfraquecido. Elas têm imensa incapacidade de lidar com qualquer aspecto emocional, humano, real, da vida de todo mundo.
Atenção: diante desta inabilidade, todos nós corremos o risco de ser escondidos para sempre, sob alguma lona de plástico.
Paulo Nassar é professor da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE). Autor de inúmeros livros, entre eles O que é Comunicação Empresarial, A Comunicação da Pequena Empresa, e Tudo é Comunicação.’
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