O Maria Moors Cabot, o mais antigo prêmio internacional de jornalismo, foi criado em 1938 pela Escola de Jornalismo da Universidade de Colúmbia e tem premiado profissionais de imprensa dos Estados Unidos e da América Latina cujo trabalho contribui para a liberdade de imprensa e o entendimento entre as Américas.
Este ano, uma das vencedoras do Cabot Prize foi a colunista de O Globo e comentarista da Rede Globo e da Rádio CBN Miriam Leitão, a primeira jornalista brasileira a receber a láurea, já concedida a Clóvis Rossi, Roberto Marinho, Gilberto Dimenstein e Alberto Dines.
Indicada ao prêmio pelo correspondente da Newsweek no Brasil, Mac Margolis, Miriam ficou surpresa com o resultado. ‘Nunca pensei, sinceramente, que fosse receber’. Ao anunciar os ganhadores de 2005, a Universidade de Colúmbia fez o seguinte perfil da jornalista: ‘Ela é uma jornalista multimídia de verdade. Está na profissão há 30 anos, concentrada em economia e negócios num país atormentado por freqüentes crises econômicas. Mas, como ela observa em suas colunas, um país com grande potencial e um papel já demonstrado de poder global emergente’.
Miriam despertou muito cedo para o jornalismo. Aos 15 anos lia dois jornais por dia. ‘Sempre estive vivamente interessada no tempo presente’. Destacou-se numa editoria normalmente dominada por homens. ‘Tive que brigar muito para ser quem sou’. O fruto dessa persistência não poderia ter sido mais compensador. No dia 20 de outubro, ela receberá o prêmio num jantar de gala na Universidade de Colúmbia, em Nova York. Mais do que os U$ 5 mil concedidos, trata-se de um coroamento. ‘Eu vim nessa direção sem saber que estava vindo, agora entendi que esse é o caminho a seguir e aprofundar’, diz Miriam nesta entrevista concedida por e-mail, em que fala do júbilo pelo reconhecimento do seu trabalho e do desafio do jornalismo econômico: não cair na tentação do economês. ‘Na economia os mistérios não existem. Misteriosa é a linguagem usada.’
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O que sentiu ao saber que foi uma das ganhadoras do Maria Moors Cabot?
Miram Leitão – Alegria e susto. Nunca pensei, sinceramente, que fosse receber. Quando Mac Margolis, correspondente da Newsweek, disse que ele tinha me indicado para o prêmio, eu fiquei feliz achando que a indicação era honra suficiente e fui cuidar da vida. Não pensei mais no assunto. Até o dia em que recebi a informação de Columbia. A única coisa que eu conseguia pensar era a frase: tudo valeu a pena; toda minha luta para fazer o jornalismo que sei fazer.
De que forma o prêmio poderá influenciar sua carreira?
M. L. – Acho que eles apontaram o caminho: jornalismo multimídia; jornalismo explicativo para ajudar os cidadãos a entender decisões que estão sendo tomadas em nome deles; jornalismo econômico com um olho na questão social e ambiental; jornalismo firmemente comprometido com a liberdade de imprensa, com a inclusão dos negros, com a valorização da mulher. Foi o que eles disseram que estavam premiando. O foco do meu trabalho será nessa direção. Eu vim nessa direção sem saber que estava indo, agora entendi que esse é o caminho a seguir e aprofundar.
Como se deu o seu interesse pelo jornalismo? Como tudo começou?
M. L. – Com 10 anos eu ouvia noticiário de rádio; com 15 anos, já lia dois jornais por dia. O mundo me interessa, o Brasil me interessa desde o início. Sou jornalista porque estou, sempre estive, vivamente interessada no tempo presente. Notícia é do meu interesse. Adoro viver cercada de notícia. Sem entender ainda que o tempo presente é minha matéria, entrei numa redação de jornal por acaso aos 18 anos. Nunca mais saí. Vou ficar enquanto viver.
O seu dinamismo pesou na concessão do prêmio. Como faz para conciliar as suas atividades no impresso, rádio e TV?
M. L. – Trabalho muito, sempre gostei de trabalhar muito. A matéria prima é uma só: informação. A cada veículo eu tenho que dar um tratamento; cada veículo prefere um tipo de notícia diferente. Passo o dia estudando, lendo, conversando, apurando e depois vou formatando meus produtos para cada tipo de mídia.
Você tem se destacado numa editoria que sempre foi dominada por jornalistas homens, como Joelmir Betting, Luis Nassif e Celso Ming, entre outros. Você enfrentou barreiras para chegar lá?
M. L. – Enfrentei, sim. Tive que brigar muito para ser quem sou. Mas é curioso: encontrei homens que barraram meu caminho, encontrei homens que me ajudaram a vencer. Nesta lista boa estão Sidnei Basile, Luis Nassif, Marcos Sá Correa, Evandro Carlos de Andrade, Luis Erlanger. A lista negativa não faço porque eles merecem o meu e o seu desprezo. Aprendi que odiável é o machismo e muitos homens que conheci na vida profissional, felizmente, não têm essa doença.
Mesmo com o esforço de traduzir em miúdos a linguagem do economês, as pautas de economia ainda soam demasiadamente técnicas. Como é que um leitor comum pode entender expressões como ‘superávit primário’ e coisas assim, tão repisadas pela imprensa?
M. L. – Simples. Qualquer cidadão já deve ter buscado superávit primário nas suas contas. Se você tem uma dívida, tem medo que ela cresça, você economiza um pouco a cada mês para pagar os juros da dívida. Na economia os mistérios não existem. Misteriosa é a linguagem usada. Todo setor profissional tem sua linguagem de gueto, cabe ao jornalista não se render a elas. É preciso escrever e falar claro. Não é para ser didático, ‘tatibitati’, como se o consumidor da sua informação fosse um idiota e você o supra-sumo da sabedoria. Você precisa apenas procurar palavras de entendimento disseminado e evitar os preciosismos do economês.
Em função da globalização, uma especialização em economia tem sido indicada como um diferencial para jornalistas que querem se destacar na profissão. Qual o seu comentário a respeito?
M. L. – Jornalista é jornalista, não é economista. Ele pode até fazer curso de Economia, mas não para ficar preso à lógica e ao palavreado do economista, mas para melhor entender o fenômeno. Sou a favor da acumulação do conhecimento, mas acho que jornalista que pensa que virou economista, técnico de futebol, médico, político perdeu sua função original que é a de buscar, processar, transmitir e interpretar informação.
A propósito, que dicas você daria a um jornalista que planeja enveredar pela editoria de economia?
M. L. – O que dou para qualquer jornalista começando: leia, leia desesperadamente, leia o dia inteiro. Leia jornais, sites, revistas, navegue. Leia boa poesia para ouvir a música do português e a delicadeza das palavras. O português será sempre a sua ferramenta básica, a capacidade de leitura, o treinamento indispensável. Isso é o principal. No caso da economia, que é assunto considerado complexo, o jornalista nunca deve ter constrangimento de fazer o seguinte pedido: ‘não entendi, me explique novamente’. Só quem entende explica bem, por isso eu jamais tenho vergonha de dizer ‘não entendi’.
Se você desse uma nota à economia brasileira neste momento, qual seria?
M. L. – Nota cinco. Conseguiu muito: estabilizou a moeda, avançou em várias áreas, mas não conseguiu ainda reaprender a crescer de forma sustentada. Quando cresce mais, destrói mais o meio ambiente. Não sabe crescer distribuindo renda; apenas concentrando. E o futuro se fará com o crescimento sustentado, redução das desigualdades e proteção ao meio ambiente.
E ao nosso jornalismo econômico?
M. L. – Também dou a nota média. Também avançamos muito, tivemos avanços técnicos importantes, conseguimos hoje fazer a ligação com algumas questões sociais, mas, às vezes, não temos a noção exata do tamanho do Brasil, das suas chances e dos seus erros.
A sua performance multimídia preenche as suas inquietações como jornalista, ou gostaria de desenvolver outros projetos?
M. L. – Eu sou uma insatisfeita. E sempre serei.
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Jornalista e editor do Balaio de Notícias