Elementar, meu caro leitor. A convocação de Dunga para este Mundial não foi a dos meus sonhos – e nem dos seus, provavelmente. O time não tem ‘nomes’, embora a prerrogativa não seja condição preponderante para se chegar ao triunfo – e 2006 é exemplo sóbrio de fracassos precedidos de oba-oba e desdém. Então, apesar da coerente convocação – levando-se em conta a fidelidade do chefe com os atletas de um ciclo –, o déficit da equipe de Dunga está no equilíbrio. Não há substituto para Kaká. Sim, eu sei… Ele não vem atuando no auge da forma física e técnica. Só que, mesmo mediano, dos três gols marcados na indigesta Costa do Marfim, dois saíram dos seus pés, prova de que o diferenciado pode desequilibrar num lapso. Não espere o mesmo do dedicado e bom Júlio Baptista. (Esta coluna foi encerrada na quinta, véspera da estreia de Júlio contra Portugal.)
Contudo, Dunga não é um qualquer. Como jogador da Seleção, não deixou a desejar. Disputou três Copas: venceu uma (1994), ficou em segundo em outra (1998) e foi eliminado precocemente em 1990, resultado não de uma limitação sua, e sim, da incapacidade de todo um time. Mas como injustiça pouca é bobagem, deram – os jornalistas – à equipe de Lazaroni o rótulo de ‘Era Dunga’, agregando ao ainda atleta a ideia de fracasso. Ele guardaria remorso por quatro anos, levando Romário a ser o que foi e a Seleção ao título. Taça erguida, xingamentos distribuídos, Dunga acertara as contas com os que o massacraram e com os que jamais o menosprezaram. O mau de Dunga, até hoje, são as generalizações.
A ira do jogador não cessou, estendendo a herança ao técnico, e o embate ganhava continuidade. A intolerância nas entrevistas coletivas tornou-se corriqueira, ainda que alguns jornalistas esportivos sejam pentelhos, indiscretos e questionem o treinador sem saber mais que ele. Há jornalistas – a minoria – que sabem mais. Esses são os melhores e não tumultuam. Os piores mantêm afinidade com o sensacionalismo e privilegiar a falta de qualidade vira uma meta, a missão de si mesmo como profissional pequeno.
Não se produzem críticas; oferecem-se regalias
Todas essas variáveis escancararam-se no último domingo, após o segundo triunfo no Mundial. Enquanto Dunga respondia a uma pergunta sobre o desempenho de Luís Fabiano, o repórter Alex Escobar, da TV Globo, falava ao telefone e balançava a cabeça negativamente. Escobar se indignara, pois acabara de saber que o treinador brasileiro havia barrado uma entrevista exclusiva que dois ou três jogadores dariam para a emissora, ao vivo, no Fantástico. Dunga, ouvindo as lamentações do repórter, interrompeu a entrevista e perguntou ao jornalista se havia algum problema sobre o veto. Escobar recuou e o técnico xingou. Baixo, é bem verdade, mas não tanto, a ponto dos microfones captarem. E Dunga errou por isso.
Mas Dunga tem lá as suas qualidades e acertou, concomitantemente. Ao ser sensato por impedir aparições, ao vivo, de seus jogadores, já que se eles ‘entrassem no ar’ às 22 horas, horário de Brasília, na África seriam 3 da manhã de segunda-feira. O capitão do tetra fez com a Globo o que outros pensaram, quiseram, mas não fizeram. Ciente da sua importância momentânea, como homem que tem 23 marmanjos nas mãos à custa de confiança e trabalho incessante, Dunga ‘chutou o balde’, afirmando que o direito que a Globo tem é o mesmo das outras. O jornalismo de qualidade agradece.
Porque é simples, nobre leitor. A emissora carioca, afogada no próprio ego, aproxima-se do poder para desfrutar de privilégios. Assim foi no momento de sua concepção, durante a ditadura, e assim é com o futebol. Não se produzem críticas acerca dos bastidores do futebol brasileiro e, em contrapartida, materializam-se as regalias ofertadas pela instituição máxima que gere o esporte bretão. Exemplos: os campeonatos estaduais, o Brasileiro, Libertadores e jogos da Seleção. Ela paga caro para que só ela – e emissoras autorizadas que não apresentam ameaça à sua soberania – tenha o que o público quer. Diante disso, é até covardia se gabar de audiência.
Respaldo do torcedor com ou sem título
Jornalismo com privilégios não é jornalismo. A notícia é fruto do trabalho perspicaz e incessante do jornalista, aliado ao interesse da informação junto ao público e à relevância daquela para este. A matéria-prima jornalística, atrelada a iniciativas escusas e particularistas, deprecia o fim máximo da imprensa, que é servir o leitor, ouvinte, telespectador, internauta. A tal da exclusividade impede você, leitor, de vivenciar o jornalismo de qualidade, elemento que só surge a partir da concorrência, da igualdade de direitos na busca pela informação. Daí, fruto da disponibilização diversificada de notícia, é que a qualidade transforma-se em objetivo do profissional e da empresa midiática. Fora isso, já é tempo de jornalista torcer menos e informar mais e melhor. Ganham você, a sociedade e a imprensa, certamente.
A negativa de Dunga enfureceu a emissora, que se vê impedida de desmoralizar o técnico, posto que a opinião pública abraçou-o, sinal de que o mesmo falou em nome de muitos. O problema é que a eliminação bastará para que Dunga sofra o que bravamente conseguiu peitar até então. Ainda assim, o respaldo do torcedor virá, com ou sem título, prova mais cabal de que a figura de alguém tão dedicado, mesmo sob injustiças, prevalece frente ao jogo baixo. A torcida estará contigo, Dunga. E eu também.
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Jornalista e professor universitário, Alto Araguaia, MT