O debate televisivo de quarta-feira (2/5) entre Ségolène Royal e Nicolas Sarkozy foi o ápice de uma campanha que eletrizou os franceses como poucas antes dela. Esse debate de candidatos entre os dois turnos já se tornou uma tradição importante na política francesa, apesar de este ter sido apenas o quinto de uma série começada em 1974, e interrompida em 2002. Naquele ano, com a ida de Jean-Marie Le Pen para o segundo turno (no lugar de Lionel Jospin) e a recusa de Jacques Chirac em debater com um extremista, os eleitores foram privados desse ritual. Além do preparo e da competência, a descontração diante das câmeras e a resposta bem humorada, irônica e imediata conta muito nesse tête-à-tête que pode ter um grande peso no resultado do segundo turno.
‘No fundo o que está em vigor até hoje no debate entre os dois turnos são as regras fixadas com François Mitterrand’, explica Jack Lang, que ajudou a preparar os debates de 1981 e de 1988, vencidos por Mitterrand contra Giscard D´Estaing e contra Jacques Chirac. Neste ano, Lang representou Ségolène Royal junto ao CSA (Conselho Superior do Audiovisual) que organiza o debate.
Corretos e discretos
O debate é estruturado em torno de 21 regras técnicas que determinam, entre outras coisas, que enquanto um dos dois fala, a câmera não pode cortar mostrando as reações do outro. Além disso, as regras tratam da altura dos microfones, escolha dos jornalistas, altura das câmeras etc. Até a posição dos candidatos na mesa foi definida previamente por sorteio: por acaso, mas coerentemente, Royal ficou à esquerda e Sarkozy era visto à direita da telinha.
Neste ano, os dois candidatos jogaram ali uma cartada decisiva. Ambos queriam convencer os 18% de eleitores centristas que votaram em François Bayrou. Sarkozy ainda tinha esperanças de conquistar votos de Le Pen, que na véspera aconselhara formalmente seus eleitores à abstenção dizendo que nenhum dos dois merecia o voto deles.
O resultado das urnas do dia 6 de maio pode ser mudado por esse face-a-face, perfeitamente codificado pelo Conselho Superior do Audiovisual e transmitido ao vivo pelo canal privado TF1 e pelo público France2. Para Ségolène Royal o debate era decisivo, pois até 2 de maio os institutos de pesquisa apontavam o candidato da direita como vencedor, ainda que por pequena margem. No embate, a socialista precisava mostrar-se serena e segura, a candidata de uma França que quer a paz social contra o candidato que ameaça o serviço público e divide os franceses levantando uns contra os outros, como o apresentam seus adversários.
Era como num duelo. Mas, nele, os dois rivais estavam sentados, a dois metros de distância, separados por uma mesa de desenho futurista. A arma que cada um trazia era o programa de governo, a arte de lançar farpas certeiras contra o adversário, corrigi-lo em falhas de informação, tudo aliado a uma boa capacidade de argumentar e convencer.
No cenário desenhado por especialistas para responder às exigências das normas que regulamentam o debate entre presidenciáveis havia 24 câmeras ocultadas por panos pretos, para não distrair a concentração dos debatedores. O design da mesa em forma de triângulo escondia os pés, para que nem Nicolas Sarkozy nem Ségolène Royal fossem denunciados por um tique de nervosismo. Afinal, havia um precedente: Chirac fora mostrado pela câmara com pés que se mexiam nervosamente durante o debate de 1988, que ele perdeu para Mitterrand.
Os jornalistas mediadores – Patrick Poivre d’Arvor e Arlette Chabot, dois ícones da TV francesa, representando a campeã de audiência TF1 e France2 – foram corretos e discretos, controlando imparcialmente as falas, propondo os temas e equilibrando o tempo. Em casa, os telespectadores acompanhavam a marcha dos cronômetros que marcavam o tempo da fala de cada candidato. Depois de 2h40 de debate, os dois tiveram alguns minutos para uma despedida. Por sorteio, a fala final coube a Ségolène Royal.
Ira santa
Pela primeira vez na história da França, uma mulher era uma das finalistas no debate entre os dois turnos da eleição presidencial. A imprensa, em diversos artigos assinados por escritoras e feministas, não se cansou de destacar a oportunidade histórica de eleger uma mulher como um avanço para o país.
Ségolène Royal venceu duas raposas políticas na prévias de seu partido (Socialista): os ex-ministros Dominique Strauss-Kahn e Laurent Fabius. Uma de suas armas mais sedutoras para os militantes do PS foi a nova forma de fazer política – ouvindo os eleitores e discutindo seus problemas mais urgentes nos debates participativos organizados por toda a França. Foi depois desses encontros que sua equipe elaborou o programa de governo da candidata, espécie de Marianne (símbolo da República francesa) do século 21. Ou seria uma Jeanne d’Arc de tailleur?
Ségolène Royal revelou-se durante toda a campanha uma mulher de fibra, independente e segura. Venceu os ‘elefantes’ do PS, mostrou bastante autonomia dentro do partido e no debate foi tomada de uma ira santa quando seu adversário posou de defensor das crianças excepcionais propondo um programa supostamente novo, que já fora construído pelos socialistas e desmontado pelo governo de que fez parte até há pouco tempo. Ségolène Royal desencadeou contra ele uma série de frases homicidas. Seu opositor foi esmagado pela argumentação da socialista. Foi o ponto alto do debate.
Nos mínimos detalhes
O ex-ministro Nicolas Sarkozy, representando o que ele chama de uma ‘direita descomplexada’, defendeu os valores de seu campo: o neoliberalismo econômico, que ele quer implantar no país para tornar a França mais ‘moderna’. Começando pelo presente aos ricos: ninguém pagará mais de 50% de imposto de renda. Além disso, ele exibe seu balanço positivo como ministro do Interior no controle da violência. O controle da imigração, uma das idéias fixas do partido de Le Pen, é outro de seus leitmotivs.
A direita e a esquerda não se enfrentavam entre os dois turnos diante da TV desde 1995, quando Chirac venceu Jospin. O ritual data de 1974, quando Giscard d’Estaing enfrentou François Mitterrand pela primeira vez. Ganhou Giscard e uma frase sua nesse debate entrou para a história: ‘Monsieur Mitterrand, o senhor não tem o monopólio do coração!’.
A revanche de Mitterrand veio em 1981, quando o tête-à-tête televisivo foi preparado nos mínimos detalhes por conselheiros especiais, resultando em sua vitória. Ao ser tratado de homem do passado (homme du passé) por Giscard, Mitterrand chamou-o de homem do passivo (homme du passif), ironizando seu governo desastroso.
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Nota do OI: Na quinta-feira (3/5), a BBC informou de Paris que as primeiras pesquisas indicavam que Nicolas Sarkozy saiu-se melhor no debate. De acordo com a legislação francesa, a partir de sexta-feira (4/5) estão proibidas as pesquisas eleitorais. Na sexta-feira (4), Agence France Presse, reproduzida pelo Último Segundo, informou:
Nicolas Sarkozy, o candidato conservador na eleição à presidência da França, teria 54,5% (+2,5) dos votos no segundo turno, que acontece no próximo domingo, contra 45,5% (-2,5) para a candidata socialista Ségolène Royal, de acordo com uma pesquisa TNS-Sofres publicada nesta sexta-feira.
Na mesma enquete, realizada para a rádio RTL, a televisão LCI e o jornal ‘Le Figaro’, 18% (+1) dos entrevistados não expressaram intenção de voto.
Se 84% (+2) garantem estar seguros de sua escolha, 14% (-2) dizem que ainda podem mudar de idéia até domingo, enquanto 2% (=) não opinaram.
A consulta foi realizada na quinta-feira, um dia depois do grande debate na TV que confrontou Sarkozy e Ségolène, com uma audiência de mais de 20 milhões de telespectadores.
A sondagem foi feita por telefone, com 1.000 pessoas, de acordo com o método de quotas.
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Le Monde
e Libération tomam posição pró-RoyalQuanto ao resultado do debate, a imprensa francesa, como os eleitores, ficou dividida. O direitista Le Figaro viu ‘um debate mais que animado entre uma Royal peremptória e um Sarkozy controlado’. O jornal destaca que o face-a-face foi ‘animado e muitas vezes agressivo’, sobretudo quando ‘a candidata do PS acusou seu adversário de imoralidade política’.
Depois do jornal Libération ter tomado claramente posição por Ségolène Royal antes mesmo do primeiro turno, em artigos assinados pelo diretor de redação Laurent Joffrin e em reportagens, na quarta-feira (2/5) foi a vez do Le Monde fazer uma clara opção entre os dois candidatos que passaram ao segundo turno.
No seu editorial, o diretor do jornal, Jean-Marie Colombani, ressaltou que o debate não pode por si só alterar o curso da campanha. Ele afirmou que ‘a relação que Nicolas Sarkozy mantém com Martin Bouygues [acionista majoritário de TF1], Arnaud Lagardère [dono do Paris Match e do Journal du Dimanche, entre outros] ou Serge Dassault [dono do Le Figaro] é a marca de um poder potencial sobre a mídia que nos interpela à vigilância’. [Ver, neste Observatório, ‘Candidato íntimo dos barões da imprensa‘]
Colombani continua:
‘Ségolène Royal esboçou um `desejo´ de mudança, traçou uma perspectiva. Sua derrota, sobretudo se for por muitos pontos, levaria o PS a fazer acertos de contas e ao retorno de todos os arcaísmos e de todas as utopias negativas. Sua vitória lhe daria autoridade para iniciar o trabalho de reinvenção indispensável. É um desafio. Pelo país, merece ser tentado’.
Uma boa notícia para a candidata socialista foi a declaração que o centrista François Bayrou deu ao Le Monde. Entrevistado depois do debate, Bayrou não se conteve : ‘Eu não vou votar em Nicolas Sarkozy’. Depois de ter participado de um debate com Ségolène Royal após o primeiro turno, a convite dela, algo inédito na política francesa e vista com muito despeito por Sarkozy – que não se furtou a comentários maldosos –, essa frase de Bayrou soa como uma declaração de voto.
A não ser que ele não saia de casa para votar no dia 6 de maio.