CRISE POLÍTICA
Cessar-fogo eleitoral, 17:04 19/05
‘Na Espanha, em 1978, um pacto político criou as condições para evitar que o país despencasse no vácuo criado pela morte do ditador Francisco Franco. Deu certo. No ano passado, na Alemanha, a mesma idéia produziu uma coalizão entre os arqui-inimigos – conservadores e socialistas – que evitou um perigoso impasse político. Está dando certo.
E mesmo nestas nossas paragens marcadas pela intransigência e o canibalismo, depois da vitória de Lula em 2002, uma transição civilizada entre os adversários permitiu as condições mínimas de governabilidade para a posse do eleito.
A mesma lógica que estabeleceu as leis de guerra, produziu a necessidade de tréguas. Para recolher mortos e feridos, trocar prisioneiros ou abastecer os sitiados, a suspensão de hostilidades é um intervalo na barbárie. Pausa de racionalidade no meio do embate entre as irracionalidades. O cessar-fogo não é rendição, é um estágio produzido pela própria beligerância antes da exaustão dos beligerantes.
A campanha eleitoral prematuramente iniciada em maio de 2005 chegou a um paroxismo insuportável. Culpa de todos, inclusive da mídia que estabeleceu como paradigma de sucesso a derrubada de presidentes eleitos.
A extensão da paranóia partidária escancarou-se logo nos primeiros momentos da ‘guerra’ com a Bolívia quando setores da oposição aproveitaram-se da evidente fragilidade brasileira diante dos gestos inamistosos de nossos vizinhos.
Civismo não é matéria para ser codificada mas, diante de adversários externos, sobretudo quando acordos são rompidos unilateralmente e interesses nacionais ameaçados, costuma-se prestar um mínimo de solidariedade aos encarregados de reagir.
Para vingar-se de uma certa petulância no desfraldar da bandeira da ‘política externa independente’ e inflamados pelo fogo sagrado do partidarismo, certos oposicionistas não se deram conta de que faziam abertamente o jogo dos bolivianos e de seus parceiros. O governo poderia ter sido mais firme nas suas reações se, porventura, sentisse que contava com o apoio majoritário dos compatriotas.
Mal encerradas as escaramuças com a Bolívia, somos novamente agredidos, agora pelo inimigo interno. Por isso mais poderoso, quase imbatível. A ‘segunda-feira negra’ que na realidade começou protegido pelo ameno Dia das Mães, não foi um episódio localizado em São Paulo, foi a irrupção de um vulcão de proporções nacionais.
O tal crime organizado, entidade até então distante e imprecisa, tirou o gorro e assumiu identidade definida e aterradora: é o banditismo politizado, federal. O narco-terrorismo deixou as favelas ou periferias, transcende à questão social, encravou-se em todos os desvãos da sociedade e do Estado.
O vazamento de uma informação numa CPI da Câmara, na praça dos Três Poderes, diretamente para o comando da bandidagem em presídios de S.Paulo deveria funcionar como um sinal de advertência e convocação. O país está diante de um inimigo articulado, manhoso, protegido pelo Estado mas interessado em destruir os rudimentos do Estado de Direito e assim impor suas regras e valores.
Diante desta ameaça inédita, gigantesca, e diante do despreparo daqueles que assumiram o poder ungidos pelo calendário eleitoral, fica evidente que a virulência do bate-boca partidário só favorece a facção dos bandidos. Eles têm um comando unificado, o Primeiro Comando da Capital e aqueles que deveriam enfrentá-los estão divididos, fragmentados, atirando uns nos outros, esquecidos de que são igualmente vítimas.
O inimigo do PT é o mesmo inimigo do PSDB. Trazer Marcola ou Macarrão para os palanques – como figuradamente está se fazendo – é suicídio. A ferocidade da guerrilha eleitoral chegou ao seu limite. Hora do cessar-fogo político. A guerra contra o crime exige um pacto, uma coalizão, uma trégua neste trágico e deletério comício em que mergulhou o país.’
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