Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Um artigo 17% mais eficiente

Os sentimentos ditos corretos mandam que sempre abominemos os regimes autocráticos, malvados de nascença. Mas é preciso reconhecer que no bojo de sua imensa maldade, eles às vezes incluíam decisões e medidas benéficas ao cidadão, dignas de serem retidas na democracia.

O regime franquista, que faleceu melancolicamente com o generalíssimo Francisco Franco em 1975, impunha regras e limitações rígidas à publicidade. Algumas francamente ridículas. A nudez era evidentemente proibida, tanto no que aparecia como no que não aparecia nos anúncios. Por exemplo, no caso de um comercial de mulher na banheira, mostrando recatadamente apenas a parte superior do busto, os seios convenientemente mergulhados em densa espuma, era preciso demonstrar à censura que, para a filmagem, a modelo fora mergulhada na banheira devidamente vestida de traje de banho. Sem o que o anúncio jamais seria veiculado.

Uma outra norma que atormentava os publicitários era aquela que vedava as comparações gratuitas. Era impossível afirmar que Omo lava mais branco. Mais branco do que o quê? Mais branco do que o sabão da concorrência? Qual concorrente? Como se podia comprovar essa afirmação? A censura caia em cima e as agências acabavam procurando outra ‘plataforma criativa’.

Não sei se essa regra ainda existe na Espanha, ela era sadia, protegia o consumidor distraído. Deveria ser adotada universalmente, e ampliada: fica também proibida a menção de porcentagens sem relação com o todo a que se referem. Porcentagem é parte de um determinado todo, não deve ser empregada sem relação direta com esse todo. Se você quiser vender alguma coisa afirmando que ela é 20% mais econômica, terá de citar a coisa que é 20 % mais cara. Se anunciar numa vitrine 50% de desconto (perdão, 50% off), terá de explicar na mesma vitrina se o desconto é sobre todas as mercadorias da loja ou sobre qual parte das mercadorias à venda.

Números e ilusões

O uso de números de porcentagem se presta a toda sorte de ilusionismos. Mesmo na imprensa, particularmente em manchetes ou nos textos que comentam pesquisas, as porcentagens são muitas vezes citadas soltas, sem referência ao respectivo cem por cento (ou pior, com referência errada), confundindo o leitor. Ocorre algumas vezes que uma porcentagem é repetida e retransmitida de modo a perder relação com o todo original.

A manipulação de números de porcentagem deve ser tão velha quanto a própria propaganda. Esta sempre se valeu da sedução de imagens e palavras para vender produtos, serviços ou idéias às pessoas que estão cansadas de pensar em coisas sérias, por isso encaram os anúncios como benevolência. Anúncios distraem, mostram uma realidade que não é bem a real, um mundo repleto de objetos de desejo ao qual quase todos desejam pertencer.

Anúncios dificilmente podem ser fonte de reflexão, de raciocínio. Assim mesmo, ao empregar porcentagens para persuadir o consumidor, a publicidade pode iludir a própria opinião pública. Apoiado em alguns milhões de verba de veiculação, qualquer engano ou mentirinha pode virar verdade.

Estamos ou logo entraremos em época de campanha eleitoral, época de usos e abusos de porcentagens. Preste muita atenção.

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