Quando digo que faço o curso de Jornalismo, é comum ouvir manifestações iradas de todo tipo. ‘Dei uma entrevista e cortaram tudo o que eu disse’, reclama um. Na mesma tarde, outro me interpela: ‘Não te incomoda ter que escrever só o que eles querem?’ Quando questiono quem seriam ‘eles’, a resposta é vaga – o editor, o governo ou os anunciantes. A gota d’água veio de uma professora de Letras. Depois de visitar o prédio de um jornal, veio a mim e protestou, indignada: ‘Acredita que não tinha uma biblioteca? O jornalista não faz pesquisa?! É por isso que jornal não presta.’ É provável que nunca tenha ouvido falar de Google e nem ao menos me permitiu explicar o conceito de deadline. Logo emendou, alterada: ‘Não tinha nem uma mesa, um sofazinho para sentar e ler tranqüilo’.
Há ainda outros comentários nada elogiosos com os quais tive que aprender a lidar. A maioria teoriza sobre o papel maquiavélico da mídia e de nosso gosto mórbido por tragédias – porque, é claro, só tem má notícia e morte no jornal. As críticas mais perversas, porém, versam sobre a índole deste ‘profissional da fofoca’. Assisto, em parte resignada, em parte impaciente, ao desfile de achismos inflamados. Olha que ainda nem me formei. Só imagino o que me espera lá fora…
Por outro lado, as observações me fizeram refletir sobre a importância de um serviço cada vez mais prestado por empresas de assessoria de imprensa: o media-training. Este tipo de treinamento consiste em colocar profissionais de outras áreas a par de conceitos fundamentais do jornalismo, do funcionamento de empresas de comunicação e ensina dicas para um relacionamento fonte-repórter mais eficiente.
Papel de vilão
Assim como noções básicas de primeiros-socorros e de direitos civis, todos deveriam saber como são produzidos os textos que nos conectam com o mundo. Faz parte da cidadania. Hoje, mais do que nunca, há um enorme acesso à informação. No entanto, este acesso não basta se for desvinculado de uma visão crítica sobre como, onde, por quem e sob quais condições as notícias foram produzidas. Antes de engolir, é preciso mastigar bem o que nos chega por rádio, TV e revistas, sob pena de indigestão.
Seria ótimo se conhecimentos sobre a mídia pudessem ser transmitidos ainda durante o Ensino Médio, mas talvez este ainda seja um passo maior do que nossas pernas. Menos ambicioso e perfeitamente plausível seria proporcionar a universitários, durante a graduação, a oportunidade de entender o trabalho jornalístico. Não é preciso muito. Uma disciplina optativa ministrada por um professor/jornalista competente daria conta do recado. Ainda neste âmbito, há os sindicatos da categoria, que poderiam contribuir com a organização de cursos e palestras para empresas.
Além de vantagens para trabalhadores de outras áreas, essa iniciativa beneficiaria principalmente o jornalismo. Leitores competentes exigem mais do produto jornal, puxando para cima a qualidade da reportagem. Consumidores de informação com capacidade de análise têm discernimento para cobrar novas abordagens, em vez de comodamente repetir discursos vazios sobre a manipulação dos meios de comunicação. Embasados em dados reais, conhecendo as engrenagens que movem as rotativas, poderiam demonstrar insatisfação, apontar erros e emitir julgamentos preciosos sobre ética, atuando como monitores de mídia, na definição do jornalista Rogério Cristofoletti.
Ganha o jornalismo, ganha o leitor e ganha o jornalista que, com justiça, poderá abandonar o papel de vilão que lhe é seguidamente atribuído.
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(*) Estudante do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina