Justiça seja feita: a Folha de S.Paulo, que descobriu um candidato a deputado federal do partido Democratas cujo patrimônio, declarado à Justiça Eleitoral, só existe no papel, continuou perseguindo o caso e descobriu que o postulante a um lugar na Câmara dos Deputados está no lugar certo: uma cela do Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, na zona Oeste de São Paulo.
O fato chega a surpreender o observador porque, na rotina, os jornais costumam jogar para cima dos leitores certos assuntos interessantes, que em seguida são abandonados para nunca mais voltar ao noticiário. Exceção, é claro, para os crimes de grande repercussão ou os escândalos criteriosamente selecionados.
Ponto para a Folha, que seguiu a pista do cidadão chamado Selmo Santos, que, segundo a ficha do DEM encaminhada ao Tribunal Regional Eleitoral, seria dono do sexto maior patrimônio entre os 5.700 candidatos a deputado federal em todo o País.
O jornal paulista descobriu, e publicou na quarta-feira [21/7], que Selmo Santos tinha declarado um patrimônio inexistente, de quase R$ 92 milhões, no qual se incluía uma sociedade em uma universidade que só existe no papel, além de imóveis e uma poupança no valor de R$ 4 milhões. Nesta quinta, a Folha completa a ‘folha corrida’ do candidato, revelando que ele já estava preso, acusado de estelionato, quando sua candidatura foi registrada pelo DEM.
O cidadão que o DEM indicou para representa-lo na Câmara dos Deputados responde a outros inquéritos, já foi detido por tráfico de drogas e é investigado pela Polícia Federal sob suspeita de haver criado a falsa universidade para lavar dinheiro.
A investigação da Folha de S.Paulo para nesse ponto, por enquanto, mas qualquer indivíduo com um mínimo de discernimento pode suspeitar com que motivação um dos principais partidos políticos do País aceitaria em seus quadros um delinquente desse calibre.
Talvez uma sequência da reportagem acabe descobrindo outros casos semelhantes de falso patrimônio, e não apenas no partido Democratas. No cenário de ‘caixa 2’ que marca a realidade das campanhas eleitorais, alguns candidatos com reserva declarada de grande patrimônio podem ser muito úteis à contabilidade, na hora de prestar contas.
O prontuário do quase deputado
A reportagem da Folha bem que tentou, mas a direção do Partido Democratas não revelou o nome do padrinho político de Selmo Santos. No entanto, a verdade não está longe: basta verificar o dono da assinatura que abona a inscrição na ficha do elemento.
Segundo o jornal, o deputado federal Guilherme Campos, responsável pela análise e encaminhamento das candidaturas do DEM ao TRE, informou que o nome de Selmo Santos foi indicado pela ‘área política’ do partido, o que não quer dizer nada. Admitiu saber quem apadrinhou o estelionatário mas diz que não revela o nome ‘nem sob tortura’.
Neste ponto, a história já merece uma intervenção institucional.
A direção do Partido Democratas, a Procuradoria Geral Eleitoral ou outra instância oficial, já deveria estar prestando esclarecimento sobre o que parece a ponta de uma meada promissora. Os outros jornais, da mesma forma, deveriam quebrar o silêncio, reconhecer a primazia da Folha de S.Paulo e entrar no assunto.
Não é comum tornar-se público um caso como o do sr. Selmo Santos, e ficará muito complicado explicar porque a imprensa, de modo geral, estaria se fingindo de morta diante da revelação da Folha. Essa pode ser uma pista importante para esclarecer como se estrutura o ‘caixa 2’ na política nacional.
O interesse da Folha em investigar as candidaturas certamente foi influenciado pela aprovação recente da lei da Ficha Limpa. No entanto, o jornal informa que o falsário apanhado na lista de candidatos não pode ser alcançado pela nova lei, uma vez que ele ainda não recebeu sentença definitiva nem foi julgado por decisão colegiada.
Selmo Santos está preso preventivamente por estelionato e já foi condenado em primeira instância, em outra ocasião, pelo mesmo crime; também responde a outro processo por falsidade ideológica e sua ficha ainda registra uma detenção por tráfico de drogas.
São apenas 31 candidatos do DEM por São Paulo, e o partido queria enriquecer o Congresso Nacional com essa beleza de prontuário?
É preciso revelar o nome do padrinho e descobrir que missão o partido reservava para o sr. Santos na nobre função de deputado federal.