Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um desafio de análise crítica

No último dia 7 de abril, infelizmente, uma tragédia envolvendo crianças e adolescentes com mais de dez mortos e quase duas dezenas de feridos voltou a ser notícia nos meios de comunicação de massa. Não se trata, contudo, de mais um filme de ficção hollywoodiana, ou de episódios corriqueiros da nação da “liberdade”. O cenário, desta vez, não estava acima da linha do Equador, mas, na “Terra dos Saquaremas”. A velocidade de expansão da notícia, articulada à mídia cruzada, possibilitou, em pouco tempo, uma comoção social, permitindo aos blogs, revistas eletrônicas, jornais online e redes sociais expandirem os comentários de repúdio na web.

Em entrevista, a presidente Dilma Rousseff, chegou a dizer que não era “característica do país ocorrer esse tipo de crime”. Decerto, não estamos acostumados a ver “circulando” na mídia brasileira a ocorrência desse tipo específico de crime: “um psicopata que invade uma escola com fins de matar pessoas, deixando uma carta-confissão e por fim suicidando-se”. Foi essa a versão! Todavia, a memória não nos deixa negar que, em certo dia, no Brasil, um “psicopata” invadiu um cinema de um shopping e começou a atirar, protagonizando um “possível” personagem de um game bastante conhecido na época pela classe média. Se voltarmos um pouco mais no tempo, encontraremos algo relacionado à Candelária e tantos outros que simplesmente deixaram de existir, ou nunca existiram, por não fazerem parte da construção social da realidade das pessoas. Alguém se recorda do índio Galdino – Brasília-DF –, um significante sem significado?

Quando temos a oportunidade de pesquisar sobre condutas de pessoas vulgarmente conhecidas como serial killers, há, no bojo das informações, uma grande gama de questões relacionadas a algum tipo de violência sofrida na infância ou na adolescência, quando não decorrentes de problemas mentais, de relacionamentos interpessoais e até existenciais, que muitas vezes, passam despercebidos no seio da estrutura familiar. A família, célula mater, tem o dever de internalizar limites, construir princípios e propagar valores norteadores para a vida do indivíduo, ensinando-o a viver e a conviver em sociedade, tornando-se cidadão. Mas a educação como um palco de conflitos políticos, ideológicos e culturais, tem a árdua e espinhosa missão de formar pessoas, muitas vezes sem as competências e habilidades para o pleno desenvolvimento de suas capacidades profissionais, desenganada ao atendimento a pessoas necessitadas de assistência especial. Essa realidade, sem dúvida, não é um exclusivismo da rede pública de ensino.

Cenário da violência

Entre os conflitos existentes no contexto educacional, a violência escolar é foco de atenção especial e de debates comumente presentes em encontros, seminários e congressos educacionais, cuja análise não se limita ao perímetro da sala de aula ou da escola, mas, sobretudo, um desafio à formação de atores sociais que hão de atuar – representando ou participando – em cenários e episódios diversos da ação humana.

A educação, portanto, deve ser entendida – mas, infelizmente, nem sempre internalizada – como um convite à liberdade, valendo-se do pressuposto que a liberdade e o conhecimento não se encontram dissociados de uma ética e que estes só advêm pela conquista! A plasticidade do método educacional permite tirar do lúdico à moral para a vida; sem perder o encanto, a eficiência e a eficácia para internalizar e consolidar saberes estruturais. Isto é um legado do educador! Esses saberes, uma vez consolidados, farão parte do nosso mundo racional – que é mutante – mas a racionalidade do mundo precisa dar conta de suas mudanças para que as fatalidades sejam evitadas.

No cenário da violência escolar, temos diversas discussões e debates acerca da indisciplina – se é que possamos entender dessa forma – e das agressividades ocorridas na escola. A violência, contudo, apresenta-se, em três grandes caminhos que no decorrer das atividades educacionais se entrecruzam, convergem-se e até se excluem conforme as medidas adotadas por seus atores, nos diversos segmentos existentes na comunidade escolar. Assim, segundo o professor Vasco Moretto é possível analisar a violência escolar em três dimensões, a saber:

1.A violência da escola;

2.A violência na escola; e

3.A violência à escola.

Um consumo direto e um indireto

Todavia, não é nossa pretensão, neste momento, debater esses possíveis caminhos das discussões sobre a reprodução da violência escolar, mas enfatizar a exploração da tragédia nos meios de comunicação de massa em nossa sociedade e refletir, embora rapidamente, sobre a prática nefasta do bullying, que não se limita aos alunos na condição de vítima, pois eles próprios reproduzem tais práticas com seus colegas – o mais comum – bem como com docentes e outros segmentos da comunidade escolar, na maioria das vezes quando tais pessoas possuem determinadas posturas e/ou comportamentos que os caracterizam dentro de uma minoria social, passando a sofrer preconceitos e discriminações, prejudicando o estado de bem-estar social necessário ao bom desempenho das atividades profissionais. Isto, quando não agravadas com crime à dignidade da pessoa humana – um preceito constitucional.

Mas o fato é que nossa sociedade anda “sedenta” – infelizmente – por notícias trágicas! A tragédia como consumo cultural parece ter uma clientela fiel nos meios de comunicação de massa. Prova disso são os inúmeros programas sensacionalistas que procuram desvirtuar o objetivo da democratização da informação numa sociedade, por assim dizer, democrática de direito, a divulgação de um produto de consumo em um “horário nobre” com uma publicidade que chega a gerar milhões de dólares anualmente e, mesmo que usufruindo da legitimação da invasão nos lares e domicílios de modo geral, não se vê uma boa parte desse montante convertido em benefícios para a sociedade que aprova e consome esse tipo de produto. Na verdade, tornamo-nos acionistas/investidores de um conglomerado midiático que gera milhares de milhões de lucros, mas que não são compartilhados com àqueles que se encontram na base da cadeia alimentar – a sociedade civil.

Entendendo dessa forma a tragédia como um dos grandes boom da audiência midiática, entenda-se: não apenas os programas televisivos, mas toda a mídia cruzada, não seria de se estranhar a exploração por aquilo que garante um consumo direto – a tragédia! – e um consumo indireto: suas especulações e outros produtos agregados ao seio da sociedade capitalista, inclusive ao comprometimento de setores da sociedade civil, buscando garantir e dar visibilidade a seu projeto, quer político, quer econômico, para futuros empreendimentos.

Busca do equilíbrio

Somando-se a isso, a reprodução de um tsunami de sentimentalismos sem raízes reais, promissoras e concretas capazes de gerar árvores frutíferas para as futuras gerações; mais um estorvo que a própria dinâmica midiática ainda não se interessou para aprofundar as discussões sobre problemas dessa magnitude: a violência escolar – no âmbito da complexidade de suas motivações, causas e consequências; discussões essas que precisam ser apreciadas pelas instâncias de poder do Estado e em constantes projetos educacionais que envolvam a sociedade civil como um todo, com a implementação de políticas públicas e sociais que, de certa forma, possam favorecer economicamente a iniciativa privada, a fim de motivá-la a aderir a um projeto de sociedade participativa que se deseja construir.

As discussões são amplas. Temos a consciência que o debate é complexo e navega por várias outras discussões como: a produção da riqueza, as desigualdades sociais, as políticas públicas sociais e educacionais, as questões relacionadas aos direitos humanos, a construção social da realidade das minorias como projeto de inclusão social, o processo de formação política da sociedade, entre outros…

Inúmeras discussões que ajudariam, portanto, a entender e dar importância a educação como uma grande alternativa para o desenvolvimento da nação num sentido macrossocial ao que chamo de: “o caminho da serenidade”; que seria a busca do equilíbrio com os limites da natureza; e o tempo como o espaço epistemológico, sendo valorizado para implementar políticas públicas que dialoguem com os respectivos profissionais da área, em todo o processo de formação do indivíduo, subsidiando as condições estruturais, psicossociais e de oportunidades de ingresso à sociedade, inclusive a de consumo, imprescindíveis ao seu desenvolvimento político, social, moral e educacional.

Projeto maior chamado educação

Assim como o processo de ensino apresenta resultados positivos no diálogo do aprender a aprender, ou seja, em políticas de atitude; a violência escolar não será arrefecida sem a mão visível de um Estado comprometido com todo o processo educacional, articulado nas três esferas de governo, com ações transformadoras em múltiplas plataformas, a partir da educação básica em parceria com a família.

Nesse contexto, mais importante que a exploração selvagem da tragédia como consumo midiático, seria a participação na construção de uma sociedade participativa que repudiasse tais incidentes com práticas educacionais estruturais e frutificadoras de cidadania, que deveria ser um dos grandes produtos de consumo da sociedade civil patrocinado pela própria mídia, e não uma balança de contrapesos onde a cidadania passa pelo Tribunal de Osíris e, mesmo assim, não consegue atingir o ponto de equilíbrio.

O desafio das políticas públicas no cenário educacional caminha, portanto, pela formação da estrutura sócio-política da sociedade, num terreno de saberes e representações que muitas vezes encontram-se desvinculadas da compatibilidade do Estado-midiático-empresarial e do compromisso com o processo de formação social, num projeto maior chamado de educação.

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Historiador, pós-graduado em História, mestrando em Comunicação Social pela UFPE e membro do Núcleo de Estudos Avançados em Democracia e Direitos Humanos da UFPE