Meus prezados observadores. Há anos ocupo o presente espaço para comentar e criticar a imprensa. Às vezes, também a elogio. Dessa vez, não sei bem como qualificar o acontecido. Ocorre que vislumbrei um fato, a meu ver interessante, e liguei para amigos jornalistas como sugestão de pauta. Nada ocorreu. Jornalões e revistas semanais não deram importância devida ao assunto, e nada foi publicado. O que fiz? Coloquei minha fantasia de Clark Kent (já aviso que não tenho a outra, do Super-Homem) e fui eu mesmo exercer a função de repórter e redator, que ora lhes ofereço para os devidos comentários, caso os colegas observadores considerem pertinentes.
Ocorre que em determinado dia, ao passar de táxi pela região de São Paulo conhecida como cracolândia na hora do almoço, percebi uma estranha fila formada ao lado de um edifício caindo aos pedaços. Fiquei sabendo em linhas gerais do que se tratava pelo motorista do táxi e avisei a imprensa, como disse acima. Como nada aconteceu, resolvi dar uma de repórter e, talvez, exercer ilegalmente a profissão de jornalista. Mas lembrando das críticas de muitos – eu, inclusive – à obrigatoriedade do diploma de jornalista, contra a criação do Conselho Federal de Jornalismo e afins, acredito que não estou sob constrangimento legal. Vamos então ao ocorrido.
Fui novamente de táxi à região depois de algumas semanas e lá estava a fila de novo. Desci do veículo e resolvi investigar melhor o que ocorria. Por ser uma região razoavelmente perigosa, com punguistas convivendo com traficantes, hoje vejo que corri certo risco, mesmo à luz do dia, mas felizmente nada aconteceu.
Camisinha para que?
A dita fila deveria conter umas trinta pessoas. Detalhes da mesma: todos do sexo masculino e tranquilamente postados acima dos 70 anos de idade, idosos, portanto. Aquela região se notabilizou pela presença de pessoas mais jovens envolvidas nas atividades próprias do local (a tal “Nova Luz” ainda não iluminou muita coisa, apesar da macrorregião da cracolândia abrigar a Sala São Paulo, a Estação Pinacoteca, o Museu da Língua Portuguesa, a Pinacoteca do Estado, o Museu de Arte Sacra, o Parque da Luz,a Fatec e alguns outros empreendimentos estatais). Mas ainda é habitada pelos aparentes mortos vivos que dão a imagem de zumbis de cinema ao se movimentarem, os usuários do crack, dizendo de passagem que é lá que fica o Comando Geral da Guarda Civil Metropolitana, e não muito distante do próprio Quartel General do policiamento da capital, a PM e o quartel da temível Rota.
Resolvi abordar um dos idosos e perguntar que fila era aquela. Candidamente, ele me explicou que aquele era o dia de pagamento de sua aposentadoria e, por mais irrisória que fosse, não daria um centavo para a família e por isso estava lá. Continuei sem entender, pois ele se fechou com cara de poucos amigos. Fui então a outro senhor, com as mesmas indagações. Ele pareceu surpreso com o fato de não saber do que se tratava a fila, e me explicou: todos aqueles idosos que lá estavam antes passaram na Caixa Econômica e retiraram em dinheiro a risível quantia que a Previdência Social lhes pagava. Mesmo assim, era um grande dia. Ele me apontou para o começo da fila (brasileiro adora mesmo uma), onde estava um grupo de mulheres. Essas todas podem ser classificadas como profissionais do sexo, mas do baixo meretrício; prostitutas também de idade um pouco avançada para suas atividades, algumas até maltrapilhas.
E o que faziam os velhinhos? Com o dinheiro da aposentadoria, compravam um comprimido de Viagra, pagavam a uma daquelas coitadas uma taxa para permanecer uma meia hora nos decadentes hotéis da região, por um momento de felicidade, de retorno à juventude. Era, segundo o que outros me contaram, a única alegria que tinham durante todo o mês, daí a fila. Talvez por ser médico e ter essas coisas automaticamente na cabeça, perguntei se eles usavam preservativos. Vários caíram na gargalhada: camisinha para que? Caso fossem infectados por HIV, certamente morreriam de alguma outra causa que não a Aids. Fui obrigado a concordar.
Um momento fugaz de prazer
Em resumo, os idosos do Brasil recebem tanta atenção que, viúvos ou renitentes solteirões sacam a miséria previdenciária, correm algum risco usando a mágica pílula azul sem avaliação médica e lá vão ter com as meretrizes. Contudo, com o respeito devido, as mulheres com as quais eles regateavam preços estavam fisicamente horríveis, feias, com roupas em frangalhos. Mas, mesmo assim, elas garantiam um momentinho de paraíso para aquelas criaturas idosas. E não pensem que eram todos também do lúmpen social: conversei com contadores aposentados, ex-comerciantes, dois engenheiros, um advogado e até um médico que já não clinicava mais!
Já sem tanto pudor de minha atuação, perguntei como eles poderiam praticar o sexo com aquelas mulheres tão feias e desgastadas por suas desgraçadas vidas. Resposta: fechar os olhos, pensar nas mulheres bonitas de seu tempo de jovens e um Viagra para ajudar.
Mas que país é este? Velhos largados por sua família, que abrem mão da miséria que recebem do INSS para uma vez ao mês se sentirem jovens, terem um momento fugaz de prazer, gastando tudo com o comprimido, a taxa de um HO treme-treme com uma mulher que, com muito esforço, se faria passar por Madame Min! Sem falar no risco daquela fila com algum dinheiro, pois além dos tradicionais ladrões de carteiras, não raras vezes as próprias prostitutas roubavam os vovôs antes de qualquer coisa.
Com os pés na cova
O Brasil está vendo sua população idosa aumentar. Há um frágil guarda-chuva social. As famílias abandonam seus idosos e um grupo deles reúne-se para fazer sexo totalmente sem segurança (de qualquer tipo!), talvez pela última vez na vida.
Não sei se sou bom repórter, péssimo cronista ou um jornalista que deveria estar no lixo, mas a despeito da história real que lhes contei, a qual é conhecida por taxistas, guardas civis e frequentadores da região, aqueles senhores estavam literalmente com os pés na cova. Ou será que não?