A impressão que tem causado em mim o noticiário (se é que se pode chamar um bombardeio de noticiário) a respeito da morte de Isabella é a de que esse fato está servindo como o maior laboratório sociológico que já vi na minha vida, em toda a história contemporânea. Os resultados que essa experiência tem demonstrado são fascinantes. O fascismo da mídia. A relação opinião pública x instituições (política, judiciário, polícia, mídia), relações sociais, a massa caracterizada, o indivíduo deslocado.
Com certeza, Marshall McLuhan e Herbert Marcuse se sentiriam no paraíso com tanto material cultural. Esse bombardeio incessante, exaustivo, implacável e imperdoável a que temos sido submetidos desde que a menina foi morta (como se fosse a única), não apenas mostra a imaturidade histórica do Brasil como nação, essa falta de identidade cultural, como também e mais ainda está servindo para direcionar o duvidoso rumo que há de tomar no curso da História vindoura.
Um inusitado aparato policial quase perfeito (sempre fazendo questão de frisar o ‘de última tecnologia’), os implicados no crime em si sempre mantidos à distância (ou por si próprios ou através das instituições), a opinião pública constantemente vigiada, concentrada e cobrada, a opinião individual mantida desencontrada e descoordenada, a blindagem dos implicados, a diluição do conceito de errado e de punível, a ferramenta processual penal aparentemente funcionando com suas engrenagens à mostra, a defesa dos implicados alerta às falhas que a própria máquina, em sua natural movimentação, vai deixando para trás em seu rastro imperfeito; o judiciário, prontinho, à espera das conclusões fáticas para ao final ajeitar juridicamente todo o conteúdo amorfo, deixando tudo a contento…
Deletério relativismo
Tudo permite antever o invariável grand finale: a exaustão causada pela superdosagem, fazendo todos (a nação) tombarem exangues. A absolvição dos implicados. Implicados que, neste preciso fato delituoso e notório, hão de sair ilesos, incólumes e, mais ainda, redimidos. Espero estar errado. A névoa pendente sobre a autoria. A incerteza sobre a ontologia do crime. A quebra, uma borracha passada na linha que divide lei, ordem, justiça e moral de um lado; infração penal, anarquia, arbítrio e o certo e o errado de outro.
Casuística: acharam um político no aeroporto com malas cheias de dólares? Não. Foi tudo uma armação. Quem? Eu? Desconheço isso. Isso não é meu. Plantaram aí. Acharam outro com a cueca cheia de dólares. Quem? Eu? Minha cueca? Isso é uma armação, pois quando a vesti, ela estava vaziazinha da silva! Fulano matou alguém. Você viu? Não? Então não o acuse! Tal personalidade foi flagrada em local recôndito tendo relações sexuais ilícitas. Você estava presente ao ato? Não? Então cale a boca, senão você vai ser processado e perseguido por difamação!
De vez em quando, em casos isolados, pontuais, no aqui e ali, o aparato funciona, como se a máquina dissesse a todos: ‘Eu estou aqui, eu existo! Cuidado!’ Fundamentalistas proíbem a Barbie, acusando-a de veneno cultural e matam em nome de Alá e tudo bem; Você desenha Maomé, é perseguido e morto. Tenho cá comigo que o culpado de tudo isso é Einstein, por ter sugerido a Teoria da Relatividade, concluindo que só é absoluta a velocidade da luz (pelo menos por enquanto). Mas quem transformou a Teoria da Relatividade no mais deletério relativismo? Se não estivesse morto, Einstein deveria ir preso. Principalmente por ter sido um judeu metido a engraçadinho, cheio de senso de humor. Acabo de ler, hoje, 1º de maio de 2008, que um senhor chamado Alfred Gusenbauer, que por acaso é chanceler – o ministro de Relações Exteriores da Áustria – está preocupado com a imagem do país (do país dele, é claro), após o caso do cidadão que manteve a filha prisioneira e teve vários filhos com ela. Só tenho uma pergunta: quem ganha com isso? Tudo isso precisa parar.
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Advogado, Curitiba, PR