A pizza armada para salvar José Sarney e o tucano Arthur Virgílio leva o tempero da complacência misturada com a omissão. De seu lado, a base aliada do governo o sustenta porque vê no presidente do Senado um de seus grandes aliados e operadores financeiros em 2010. E as maiores empresas de comunicação do Brasil, que denunciam histericamente o empreguismo praticado pelo ex-presidente da República, não investigam de forma contundente as cinco décadas de poder de Sarney, o maior lobista dos setores de energia e de mineração do Brasil, cuja responsabilidade verdadeira vai passando ao largo.
Embora sempre apareçam notícias descontextualizadas sobre esse poder subterrâneo, nunca a imprensa brasileira desvendou as articulações que há dezenas de anos o senador usa para controlar o setor de energia no governo brasileiro, independentemente da força política que ocupe o Palácio do Planalto. Sarney exerce com tal desenvoltura e naturalidade o poder nos setores de energia e mineração que independe do partido ao qual esteja filiado, seja a Arena, o PFL ou o PMDB, ou ainda o DEM e o PV, onde seus filhos estão alocados.
Nomeia aliados e demite desafetos com a mesma facilidade com que comete atos secretos. Opera sem constrangimentos à vista de todos, sempre reafirmando um modelo econômico de base extrativista e exportador, o que dificulta a transparência e a implementação do princípio constitucional da ampla publicidade na utilização de bens públicos – como são o minério e a energia.
Condecorado pelos japoneses
Por estas razões, se reveste de enorme gravidade que Sarney também tenha nomeado o atual ministro das Minas e Energia, senador Edison Lobão (PMDB-MA) e o presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes. Muniz foi presidente por cerca de 20 anos da Eletronorte, onde a Camargo Corrêa viceja nas melhores obras. Na Eletronorte, e agora na Eletrobrás, seu mais árduo trabalho tem sido a viabilização política da megahidrelétrica Kararaô, no rio Xingu, hoje rebatizada Belo Monte numa estratégia para escapar das polêmicas que a cercam.
Seja no Maranhão, terra de origem, seja no Amapá, domicílio eleitoral extemporâneo, Sarney opera sem ser incomodado como defensor desses interesses econômicos. Como governador, presidente ou senador, à vista de todos, inclusive do Ministério Público, usa a exposição pública para desviar a atenção de outros interesses, em estratégia semelhante à dos bicheiros que bancavam o Carnaval e futebol carioca ,e angariar leniência social com seus atos secretos.
No Amapá, Sarney tem ciceroneado com desenvoltura Eike Batista, empresário que em setembro de 2008 foi alvo da Operação Toque de Midas, da Polícia Federal. Eike, que negocia a entrada das grandes mineradoras chinesas no Brasil em 2010, é da mesma cepa que o pai, Eliezer Batista. Este, na Vale do Rio Doce, inventou um esquema econômico e de logística para exportar minério de ferro – leia-se, produto in natura e sem valor agregado – para o Japão, pelo que foi condecorado pelas autoridades japonesas.
Rede de proteção
A investigação sobre a mobilidade de Sarney nos setores energético, siderúrgico e minerador seria de particular interesse no momento em que estão sendo criados os novos marcos legais que vão reger a exploração das enormes reservas de petróleo na camada pré-sal. Este momento exige cuidado e atenção com tudo que cerca o setor petróleo, dadas as consequências que já no médio prazo advirão das opções que o Brasil tomar agora.
A limitação das investigações sobre Sarney ao campo moral, sem avançar sobre as motivações econômicas e políticas, cheira a rede de proteção. Ir a fundo nessa matéria certamente destamparia algumas Caixas de Pandora. Mas, em algum momento isto terá de ser feito – ou a nossa República não merecerá mais este nome.
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Jornalista