Janeiro tem sido, tradicionalmente, um mês meio paradão no Brasil. Ainda resquícios das festas de fim de ano, as férias escolares, o Congresso Nacional em recesso (salvo os preparativos para a eleição das mesas diretoras das duas Casas, a cada dois anos), presidente e ministros a meio vapor. O noticiário é sempre dominado pelas conseqüências das chuvas que castigam regiões nessa época do ano. Alguma notícia do mundo dos esportes: contratações e transferências ou os recorrentes escândalos – reais ou fictícios – de jogadores brasileiros no exterior. É isso.
O janeiro de 2009, no entanto, foi diferente. Pelo menos para o setor de comunicações. Três exemplos:
1.
1ª Conferência Nacional de ComunicaçãoO ministro Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência da República, anunciou que o governo convocará a 1ª Conferência Nacional de Comunicação ainda este ano. A informação foi confirmada pelo próprio presidente Lula em resposta a uma pergunta sobre política de comunicação, em entrevista concedida no Fórum Social Mundial, em Belém.
O Tele.Síntese informou sobre o agendamento de uma reunião para 3 de fevereiro, no Palácio do Planalto, entre a Secretaria Geral, a Casa Civil e o Ministério das Comunicações para acertar detalhes da convocação.
Como se sabe, a realização de uma conferência nacional de comunicação que discuta democraticamente a situação do setor no país e proponha políticas públicas é uma antiga reivindicação de entidades e movimentos sociais que lutam pela democratização das comunicações.
2. O BID e as novelas da Globo
Três economistas vinculados ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) descobriram que as novelas da Rede Globo de Televisão ajudam a moldar as idéias das mulheres brasileiras sobre divórcio e filhos de maneira crítica. A descoberta está em dois estudos divulgados na sexta-feira (30/1): ‘Novelas e Fertilidade: Evidências do Brasil’ e ‘Televisão e Divórcio: Evidências de Novelas Brasileiras’ (ver aqui).
Os economistas analisaram o conteúdo de 115 novelas transmitidas pela Globo entre 1965 e 1999, nos dois horários de maior audiência: 19 e 20 horas. Sessenta e dois por cento das principais personagens femininas não tinham filhos e 21% tinham apenas um filho. Vinte e seis por cento das protagonistas femininas eram infiéis a seus parceiros. Os enredos das novelas com freqüência incluem críticas a valores tradicionais.
Utilizando sofisticados testes econométricos com resultados estatísticos consistentes, dados demográficos, informações sobre a expansão da cobertura da televisão e sobre o conteúdo das novelas da Globo, os estudos concluíram que a redução das taxas de fertilidade foi maior em anos imediatamente seguintes à exibição de novelas que incluíam casos de ascensão social, e para mulheres com idades mais próximas da idade da protagonista feminina da novela. Concluíram também que ‘quando a protagonista feminina de uma novela era divorciada ou não era casada, a taxa de divórcio aumentava, em média, 0,1 ponto percentual.’
As novelas da Globo talvez constituam um dos objetos mais estudados nas dissertações e teses de mestrado e doutorado nas dezenas de cursos de pós-graduação em comunicação que funcionam no país. A relação das novelas com o comportamento da audiência brasileira tem sido estudada há décadas. Não só no que se refere à fertilidade e o comportamento em relação ao casamento, mas, por exemplo, em relação à política.
Os estudos dos economistas do BID, no entanto, certamente vão ajudar a legitimar os resultados que já são conhecidos, faz tempo, dos pesquisadores brasileiros.
3.
Jornais popularesSaiu a consolidação anual feita pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) e os jornais brasileiros encerraram o ano de 2008 com uma circulação 5% maior daquela registrada em 2007, embora o aumento de 2006 para 2007 tenha sido bem mais significativo: 11,8%. Mesmo assim, o aumento na circulação no país é bem maior do que o registrado pela World Association of Newspapers (WAN) em todo o planeta: 2,7% em 2007 relativos à taxa registrada em 2006.
A novidade, no entanto, é a confirmação do enorme crescimento dos jornais populares (ver ‘Jornais, classe média e redução da miséria‘). Entre os 10 jornais de maior circulação no Brasil, quatro são populares e um é um jornal de notícias esportivas. E entre os cinco primeiros, três são populares.
A circulação média diária dos três principais jornais populares – Super Notícia, Meia Hora e Extra –, de 738.377 exemplares, já é quase igual à dos chamados jornais ‘nacionais’ – Folha de S.Paulo, O Globo e Estado de S.Paulo: 812.746 mil exemplares.
Ranking dos títulos nacionais | ||
mil exemplares/dia | ||
1º | Folha de S. Paulo (SP) | 299.427 |
2º | O Globo (RJ) | 293.287 |
3º | Super Notícia (MG) | 282.213 |
4º | Meia Hora (RJ) | 234.253 |
5º | Extra (RJ) | 221.911 |
6º | O Estado de S. Paulo (SP) | 220.032 |
7º | Zero Hora (RS) | 187.220 |
8º | Diário Gaúcho (RS) | 167.125 |
9º | Correio do Povo (RS) | 157.543 |
10º | Lance! (RJ) | 121.820 |
Outras ‘novidades’
Além desses, outros fatos merecem registro nesse janeiro:
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A quase unanimidade na cobertura do caso Battisti: a grande mídia brasileira é contra a decisão do Ministro da Justiça e a favor da extradição;**
A ajuda de Sarkozy – leia-se, do Estado francês – aos jornais, inclusive com a ‘bolsa-jornal’ para os jovens, que já foi proposta ao governo brasileiro e não foi aceita;**
e, o incentivo aos concessionários de televisão para estimular a produção independente brasileira oriundo da Lei do Audiovisual. Quem sabe assim uma norma constitucional acaba sendo cumprida mesmo sem ser regulamentada?Se os outros meses do ano forem como este janeiro, 2009 promete. É esperar e conferir.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)