A direção da TV Globo teve um bom motivo para reunir artistas e produtores culturais, cineastas, diretores de TV e teatro, escritores, editores e publicitários, no seminário que realizou em parceria com a PUC de São Paulo, no teatro Tuca, no último dia 11.
O tema, ‘Valorização da Produção Cultural Brasileira’, resumia uma preocupação que costuma ser defendida por alguns setores da cultura nacional, mas nunca antes havia sido levantado por uma empresa de comunicação do porte da Rede Globo de Televisão.
A estratégia da Globo, nas últimas semanas, incluiu uma série de reportagens sobre o assunto no Jornal Nacional e uma visita dos principais cineastas do país aos estúdios da TV. O motivo de tudo isso foi dito com todas as letras pela diretora-geral Marluce Dias da Silva, em sua conversa com os cineastas, relatada por Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo:
‘A emissora fatura, em um ano, o que uma empresa de telefonia celular pode faturar em apenas três meses, e é quarenta vezes menor do que a Time-Warner. Uma vez permitido que essas empresas estrangeiras passem a produzir, sem regras rígidas, conteúdo para brasileiros na mídia digital (como TV pela internet, nos próximos anos), a sobrevivência da própria emissora estaria ameaçada. E, junto com ela, estaria em risco a sobrevivência dos produtores de cultura nacional’.
Enquanto a Globo e os artistas se aliam no campo da cultura, empresários de telecomunicações se articulam em outra causa que tem tudo a ver com esta: a sobrevivência da Embratel e a defesa da livre concorrência no setor.
Seminário promovido na sexta-feira (6/02), pela TelComp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas) e pela empresa GVT, em parceria com o jornal O Globo, debateu o risco de um novo monopólio no mercado brasileiro de telecomunicações. Não mais um monopólio estatal, que caracterizou o setor durante todo o governo militar, mas agora um monopólio privado, controlado pelas concessionárias locais de telefonia fixa – Telemar, Brasil Telecom e Telefônica – que se reuniram em consórcio para comprar a Embratel.
O que temem as demais empresas? Se conseguirem o controle da Embratel, as três gigantes da telefonia brasileira estarão controlando mais de 90% do mercado e, eliminando seu maior concorrente, terão fôlego suficiente para eliminar os outros, de muito menor peso.
Bala na agulha
Em palestra no seminário do Globo, a vice-presidente da Embratel, Purificación Carpinteyro, denunciou práticas anticompetitivas das três operadoras locais, que têm sido denunciadas ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e à Secretaria de Direito Econômico (SDE) pelas demais empresas, e fez um alerta que lembra o de Marluce: ‘Se a agência reguladora não adota as medidas necessárias para estancar essas práticas, este monopólio vai se expandir para a geração de conteúdo – o que já está acontecendo hoje – e posteriormente para a mídia’.
Segundo Purificación, já existem operações comerciais do grupo espanhol Telefónica, em teste no Brasil, para colocar no mercado dezenas de canais de televisão através do acesso à banda larga com tecnologia DS. ‘Isto significa criar uma empresa de mídia sob seu controle total’, diz ela.
Uma rápida leitura no site espanhol da Telefónica (www.telefonica.com) nos mostra o que pode acontecer aqui no Brasil. Na Espanha, a companhia já controla a maior parte das empresas ligadas à comunicação. Sem esquecer o mais importante: o conteúdo.
A Telefónica tem forte participação acionária na televisão da Argentina, detém 99% da Endemol (Big Brother, Fama etc…) na Holanda, atua nos Estados Unidos e, por meio da internet, está colocando no mercado espanhol cerca de 40 canais de televisão. Atua também na TV aberta, no rádio, no mercado editorial e na produção de videogames. Ainda na Espanha, ela é sócia da Antena 3 de Telévision, dona da Lola Films e de outras empresas de produção e distribuição de filmes para cinema e TV. Via outras empresas do grupo, a Telefónica representa a maioria dos artistas espanhóis e detém os direitos de transmissão de competições de futebol e basquete.
O grupo Telefônica é superpoderoso. Por outro lado, a mexicana Telmex, outra gigante interessada na compra da Embratel, acaba de adquirir a Televisa – um dos mais fortes grupos mundiais de televisão.
Ameaça grave
Com a hipótese de venda da Embratel para grupos internacionais de telecomunicações, o Brasil fica exposto a uma forte invasão internacional por meio dos grandes provedores de internet, controlados por empresas que detêm o monopólio da telefonia fixa – e que já começam a dominar também o conteúdo, em todas as mídias.
Esse vírus ameaça dominar a nossa televisão. O poder das megacorporações internacionais nos meios de comunicação do Brasil pode representar uma grave ameaça para a liberdade de imprensa e para a nossa cultura. Já bastava a invasão cultural norte-americana.
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Jornalista, Produtor e Diretor de TV; supervisiona o setor de televisão da Universidade Estácio de Sá (RJ)