Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma aula para ser cabulada

Os direitos laborais dos jornalistas voltam à cena das objetivas. Desta vez, por meio de uma das vozes mais conceituadas do jornalismo, o professor Nilson Lage. Na edição 272 deste Observatório, o mestre acadêmico deixa entender que as entidades sindicais que lutam pela preservação dos direitos trabalhistas assumem características próprias da pré-história e que não souberam evoluir ao longo do tempo desta pós-modernidade [veja remissão abaixo].

O professor critica diretamente o Sindicato dos Jornalistas de Brasília, o qual tive a honra de presidir no triênio 1992/95. Tudo pelo fato de o sindicato ter se insurgido contra a contratação de jornalistas em bases que ferem a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no que tange à jornada de trabalho. O professor desejava contratar jornalistas para atuarem como provedores de conteúdo num banco de dados científicos. Para tanto, almejava se valer de potencialidades típicas do profissional de jornalismo ‘domínio presumível do texto e do tratamento de imagens’ – assinaladas por ele mesmo como sendo ‘conhecimentos indispensáveis de sistemas de informação’.

Bastante louvável a iniciativa do professor. O problema, contudo, que alertou a direção do Sindicato de Brasília, não foi o uso de jornalistas para tal tarefa, mas sim o fato que no processo de seleção pública, por meio de terceirização, o governo federal objetivava uma jornada de oito horas diárias. Isto contraria não só a lei que regulamenta a profissão de jornalista, como também a dos profissionais de informática. É notória a constatação de problemas de saúde do tipo LER, DORT e de visão. Tanto a Fenaj, quanto o Ministério da Saúde possuem pilhas de relatórios sobre isso. O professor Lage buscou, sem sucesso, uma solução via contatos com o Sindicato e com a Fenaj e, conseqüentemente, diz ter desistido da contratação dos jornalistas e lança a sua crítica no artigo.

Pleno emprego

É curioso que a reação do professor seja questionar justamente um sindicato que cumpriu com a sua missão precípua. Mais curioso é ele buscar falar com a autoridade hierarquicamente superior, no caso a Fenaj, como se pudesse obter uma decisão contrária de cima para baixo. O certo, neste caso, era a Fenaj ter sido a primeira a atuar após a publicação do edital, já que a seleção era de caráter nacional. Mas o silêncio da Fenaj fica para outro artigo.

Para tornar mais claros nossos argumentos, a proposta do professor Lage equivale à contratação de um jornalista nos moldes do subemprego. Se nossa jornada é de cinco horas, a exigência das oito horas representa uma redução salarial de 37,5%. Seria o mesmo que admitir um professor universitário num contrato de 20 horas semanais e exigir que ministre aulas durantes 35 horas e meia por semana. Certamente a Andes, o sindicato nacional dos professores, não aceitaria isso. Não creio, tampouco, que o poder público deseje explorar trabalhadores, embora seja um grande usuário das técnicas de terceirização de mão-de-obra já condenadas pelo Tribunal de Contas da União e pelo Ministério Público.

O professor deixa a entender que, com esta postura, o Sindicato contribui para o desemprego dos jornalistas, já que ele, Lage, no lugar de se adequar aos ditames da lei, prefere descartar o uso de mão-de-obra jornalística. Essa certamente deve ser uma nova teoria econômica, pois em todos os recantos do mundo a redução da jornada de trabalho e a proibição de horas-extras são apontadas como fórmulas eficazes de multiplicação de vagas de trabalho.

No nosso caso, é bastante fácil esta constatação. Para cada jornalista seria contratado irregularmente seriam preenchidas duas vagas, se considerada a jornada tradicional. A argumentação utilizada é a mesma das multinacionais que querem acabar com FGTS, salário-maternidade, abono de férias etc. Tudo baseado no falso discurso do custo ‘Brazil’.

Quem sabe o fim da jornada de 44 horas semanais, a previdência social e a licença-maternidade sejam também entraves que devam ser removidos em prol do emprego pleno. Melhor ainda: voltemos aos padrões das relações trabalhistas do período da Revolução Industrial, na Inglaterra.

Ponto final

Empregos, sabemos todos, serão criados no momento em que houver a regionalização da produção jornalística prevista na Constituição (ou devemos ignorá-la também?). Bastaria que as emissoras de rádio no Brasil tivessem em seus quadros pelo menos um jornalista – a maioria não tem nenhum – para mudar o perfil do mercado de trabalho e do volume de informação ofertado à sociedade. Bastaria que acabasse o monopólio da informação e que os canais comunitários de rádio e TV tivessem mais liberdade de funcionamento. Bastaria que o poder público, no lugar de estudar um ‘Proer da mídia’, financiasse uma rede de canais comunitários. Bastaria que os milhares de canais distribuídos aos políticos no final da década de 1980 passassem a fazer jornalismo e não fossem apenas reprodutores de enlatados. Bastaria que os canais a cabo e por satélite, a exemplo do que ocorre na Europa, tivessem produção dentro do território nacional, deixando de ser repetidoras da programação emitida em Miami.

Como presidente interino da Fenaj, em 1989, tive a oportunidade, juntamente dos então presidentes dos sindicatos de Goiás e de São Paulo, Wilmar Alves e Robson Moreira, de obter junto ao então ministro do Trabalho e da Administração, Almir Pazzianoto, a classificação dos jornalistas como ‘categoria diferenciada’. Pela portaria, o jornalista, qualquer que fosse o empregador, teria suas especificidades respeitadas. Assim, buscava-se dar um ponto final a esse tipo polêmica e de exploração, principalmente por parte das emissoras de rádio e TV que contratavam jornalistas como radialistas apenas para economias do tipo ‘jornada de trabalho maior e piso salarial menor’. No governo federal a portaria passou meio despercebida, implicando a continuidade do trabalho sindical.

Já como presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (1992-95) pude voltar a negociar com o governo federal e ter como interlocutores os ministros da Administração Romildo Canhim e Luiza Erundina, no governo Itamar Franco; e Bresser Pereira, no de FHC. Foi justamente este último que colocou um ponto final na discussão ao editar decreto determinando que também no poder público a jornada laboral do jornalista seja respeitada. Salvo, é claro, que ele esteja em algum cargo de chefia.

Melhor ensinamento?

A justificativa de que ninguém respeita a lei não é valida e não deveria partir de quem sempre teve a missão de ensinar jornalismo às novas gerações. A alegação de que é uma lei que não pega não deve ser argumento de nossos educadores. Não é uma boa lição. Com mestre de todos nós, creio que o exemplo a ser dado pelo professor Nilson Lage seria o do respeito às leis e não a condenação pública de quem as tenta fazer respeitar.

Também são bastante questionáveis os conceitos sobre a pessoa do atual presidente do Sindicato dos Jornalistas de Brasília, nosso colega Edgar Tavares, redator da Radiobrás. Não sei que idéia o professor quis transmitir ao dizer que é uma pessoa de voz cansada. Seria a idéia da velhice, da antiguidade, da preguiça? Qualquer que seja a idéia, creio que o dirigente sindical cumpriu exemplarmente com o seu papel para o qual foi eleito: o de fiscalizar e trabalhar pelo respeito à regulamentação profissional dos jornalistas.

Esta postura é do mesmo quilate daqueles que defendem o fim da formação acadêmica para o exercício do jornalismo. Não contribui em nada com a melhoria da qualidade da informação transmitida.

Já tive a oportunidade de compartilhar mesas e painéis de debates com o professor Nilson Lage. Ou, simplesmente da platéia, ouvi-lo com a maior atenção. Sempre o tive com o maior respeito e admiração. A mensagem de seu artigo ‘O castelo das cinco horas’, contudo, certamente não é o melhor ensinamento que poderia ser transmitido. Esta é uma aula que deve ser cabulada, para não ficar encabulado.

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Jornalista na TV Senado, em Brasília, e professor convidado na UnB