A campanha eleitoral chega ao fim quase sem discussão sobre economia. Nem no período militar se falou tão pouco sobre política econômica em ano de eleição. Os principais candidatos, Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, limitaram-se a vagas promessas. Evitaram quase sempre as questões mais difíceis. Nunca avançaram o suficiente, em seus discursos e entrevistas, para apresentar algo articulado e parecido com um programa. Eles não tomaram a iniciativa, e a imprensa, polidamente, não forçou a discussão.
Na semana passada, o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, criador do Fórum Nacional, divulgou um trabalho provocativo, um roteiro para um projeto de desenvolvimento. Foi uma tentativa de forçar a discussão no último instante. O material é de primeira categoria. O ex-ministro repassa de maneira organizada as questões pendentes – obstáculos imediatos ao crescimento – e propõe uma agenda de médio prazo para garantir ao país um lugar entre as economias dinâmicas.
A repercussão foi quase nula. Seu esforço não foi inteiramente perdido porque houve alguma cobertura de uma reunião extraordinária do Fórum Nacional, com destaque para a política educacional.
Entidades empresariais também tentaram influir no debate, mas o debate não ocorreu. As propostas apresentadas por líderes da indústria foram noticiadas, de forma um tanto burocrática, e depois ficaram no limbo. Nenhum candidato se dispôs a conversar seriamente sobre esses assuntos. Agiram como se nenhuma questão fosse nova ou valesse uma resposta detalhada.
Promessas vagas
A imprensa limitou-se a refletir esse marasmo. Isso é em parte compreensível. Na cobertura eleitoral deste ano, mesmo um bom debate econômico ficaria provavelmente em segundo plano. Seria preciso concentrar a atenção na pauta de bandalheiras e atos de banditismo – esta, sim, muito mais farta que a de outras eleições.
Mas a discussão da economia não ficou sequer em segundo plano. Se os candidatos não queriam falar, seus assessores econômicos poderiam ter entregue a mensagem. Mas não entregaram e pouco apareceram nos meios de comunicação. Provavelmente não havia mensagem.
A maior parte da campanha decorreu como se os principais candidatos estivessem mais ou menos de acordo sobre a agenda econômica. Só a senadora Heloísa Helena, candidata do PSOL, saiu do tom, com suas denúncias estridentes e suas promessas de cortar os juros e resolver os problemas econômicos e sociais com a maior facilidade. Nada disso justificaria uma discussão séria ou um gasto maior de espaço.
A cobertura de temas não debatidos – ou pouco debatidos na campanha – ocorreu de forma indireta, na cobertura do dia-a-dia. Os jornais apontaram a expansão do gasto corrente do governo. Mostraram o crescimento das despesas permanentes e o comprometimento orçamentário dos próximos anos. O secretário do Tesouro comentou a questão, mas o assunto não foi incluído numa discussão de programa de governo.
O presidente-candidato prometeu vagamente manter a política fiscal. No governo, umas poucas vozes mencionaram a hipótese de um programa para equilíbrio total do orçamento em poucos anos. Mas nada foi confirmado como parte de um programa. O ministro da Fazenda falou na semana passada, em Cingapura, sobre prioridade para a reforma tributária, mas sem detalhar os objetivos da reforma. Chegou a mencionar duas hipóteses sobre o futuro do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Miséria do debate
Do lado do governo, portanto, tudo se passa como nada de novo houvesse para acrescentar à agenda oficial, num segundo mandato. E tudo permanece na obscuridade, porque nenhuma pauta mínima e articulada é exposta pelo candidato e por seus principais auxiliares. No caso do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a moderação é compreensível. Basta-lhe reafirmar o compromisso com a política de metas de inflação. Não lhe cabe, nem lhe convém, ir além disso, mesmo sendo apontado como um possível ocupante do Ministério da Fazenda no caso de um segundo mandato petista.
O principal candidato da oposição, Geraldo Alckmin, poderia falar muito mais e ser mais audacioso na apresentação de um plano de governo, mas ficou longo disso. Acabou sendo forçado a prometer a manutenção do Bolsa Família, o programa-vitrina do governo Lula. Não se comprometeu nem com o projeto de autonomia do BC, nem com uma segunda reforma da Previdência. Não detalhou promessa alguma a respeito de juros e de gastos públicos. Em termos de argumentação e de explicação de suas idéias, não foi um milímetro mais profundo que Heloísa Helena.
A miséria do debate econômico poderia ter sido um tema da imprensa. Foi citada ocasionalmente e comentada por algum articulista, mas sobrou para o leitor o trabalho de constatar a indigência do discurso econômico. Nenhuma cobrança foi feita aos candidatos. Tudo se passou como se nada fosse mais normal do que a ausência de programas econômicos numa campanha eleitoral – mesmo num país com baixo crescimento há duas décadas, desigualdades econômicas ainda muito elevadas, numerosos gargalos econômicos e nenhuma estratégia clara de desenvolvimento.
******
Jornalista