Apesar das 4.270 demissões da Embraer, a imprensa apenas noticiou o fato como mera conseqüência da crise financeira mundial, sem abrir espaço para uma discussão mais séria e profunda de alternativas para evitar novas demissões em massa no cluster aeronáutico brasileiro. O relatório das renomadas consultorias Macrotempo e Kaiser estabelecendo o perfil ideal para o Parque Tecnológico de São José dos Campos acentuou aquilo que todos já sabiam: o Estado brasileiro deixou de ter o papel que teve no final do segundo e durante o terceiro quartel do século passado, quando foi o criador de uma infra-estrutura como o Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), em 1946, de uma entidade de ensino como o ITA, em 1950, de uma empresa como a Embraer, em 1969, e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em 1971.
‘De diferentes formas’, diz o relatório, ‘pode se constatar a ausência crescente do Estado nesse setor, justo num período em que alguns países desenvolvidos e em desenvolvimento (entre estes, México, República da Coréia, China e Índia) aceleram seus programas aeroespaciais e o tratam como prioridade – também ao setor de defesa, grande gerador de spin offs para o setor aeroespacial.’ O relatório chama a atenção para a falta de uma política industrial e tecnológica para a criação e consolidação do cluster aeroespacial e de defesa e da institucionalidade necessária para o êxito dessa política.
Com os efeitos da crise financeira mundial, que reduziu em 30% a demanda das encomendas externas da Embraer, responsável por 90% de seu faturamento, esta falta de prioridade de Estado e de governo para a consolidação de um cluster aeroespacial, ficou mais do que evidente na redução em 20% do efetivo da terceira indústria da aviação regional do mundo.
Perdas em recursos humanos
O BNDES vem sendo eficiente em reduzir o impacto financeiro junto aos clientes da Embraer, reforçando as linhas de financiamento, dando seqüência a um programa que já vinha sendo desenvolvido logo após a conclusão da privatização, no governo Itamar Franco/Fernando Henrique. Entretanto, para que não voltemos a lamentar a demissão em massa na Embraer, é preciso alertar as autoridades para a necessidade de estabelecer a indústria aeroespacial e de defesa como prioridade de Estado, e não apenas episodicamente de governo.
A implantação do Parque Tecnológico de São José dos Campos é a grande oportunidade para que os governos municipal, estadual e federal manifestem de forma inequívoca e concreta que priorizam a indústria aeroespacial. O apoio à instalação do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Aeronáutica (CDTA) pelas agências de fomento como Fapesp, Finep, pelos Fundos Setoriais do Ministério da Ciência e Tecnologia e pelo BNDES é fundamental para tal consecução. Há expectativa positiva em relação a isto.
A Embraer, por exemplo, está investindo em pesquisa e desenvolvimento algo em torno de cem milhões de dólares nos próximos quatro anos. É preciso que a contrapartida governamental seja equivalente a isto, pelo menos. O Canadá anunciou subsídios à Bombardier (principal concorrente da Embraer) de US$ 779 milhões destinados a pesquisa e desenvolvimento. Entretanto, para que a Embraer garanta a sua fundamental participação no Parque Tecnológico, é preciso que tenha a garantia de que não sofrerá mais perdas em sua capacidade em recursos humanos especializados, o que o mercado por si só não tem condições de garantir.
Venda preferencial de aeronaves
Como manter o nível de emprego na indústria aeronáutica brasileira diante das incertezas do mercado? Parece-me que uma proposta que vale a pena ser pensada e discutida é a constituição de uma empresa subsidiária – com recursos públicos e privados, da própria Embraer e do governo, que possa servir de ‘colchão amortecedor’ quando inevitável uma redução na cadência de produção. Esta subsidiária garantiria o planejamento anual de produção adquirindo as aeronaves que fossem deixar de ser comercializadas dentro da programação. Poder-se-ia até deixar de fora desta aquisição, por exemplo, as turbinas ou outros componentes importados, uma vez que a subsidiária focaria a manutenção do nível de emprego na empresa aeronáutica brasileira.
Apesar do mercado não garantir por si só a estabilidade econômico-financeira de uma indústria aeronáutica, é certo que, no caso da atual crise financeira, em dois ou três anos poderá voltar a apresentar desempenho satisfatório. O mercado voltando a crescer e a absorver a produção da Embraer, aí a subsidiária colocaria à venda preferencial as suas aeronaves, com a indústria complementando-as com os equipamentos que deixaram de ser importados.
Decisão indispensável
A criação de subsidiárias financeiras de indústrias nos países desenvolvidos não é nenhuma novidade. A Harley-Davidson, nos Estados Unidos, elevou as suas vendas nos últimos quinze anos com a criação da Harley-Davidson Financial Services, que acabou em dificuldade pelos vultosos empréstimos de risco transformados em títulos que vendeu a investidores. A Boeing e outras grandes indústrias aeronáuticas no mundo possuem também as suas subsidiárias financeiras, além dos grandes aportes governamentais para pesquisa e desenvolvimento.
A situação atual é até ideal para a criação da subsidiária financeira da Embraer, se esta solução for considerada boa para evitar novas demissões em massa que ameacem o futuro competitivo da indústria aeronáutica brasileira. Pelo menos, os erros cometidos pelas atuais subsidiárias financeiras de grandes empresas poderão ser evitados. De qualquer forma, esta proposta, numa economia de mercado, parece ser a mais adequada para complementar a indispensável decisão de priorizar o cluster aeroespacial como uma política de Estado no Brasil.
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Jornalista, São José dos Campos, SP