A doutrina jurídica é farta em comentários sobre os direitos à liberdade de manifestação do pensamento, à inviolabilidade da liberdade de consciência ou de crença, ou sobre o direito à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (de que a chamada ‘liberdade de imprensa’ faz parte), todos inseridos no artigo quinto da Constituição Federal e relacionados entre os direitos individuais e coletivos.
No entanto, ainda que estreitamente relacionado à família que reúne os direitos acima mencionados, o ‘direito à comunicação’ ainda não recebeu, na literatura dedicada ao Direito Constitucional, tratamento correspondente à sua importância, o que precisa ser corrigido em respeito aos princípios fundamentais que regem o ordenamento jurídico brasileiro, entre os quais se destaca a dignidade da pessoa humana (artigo primeiro, inciso III, da Carta de 88).
A comunicação é o fenômeno que consiste na ampla circulação, pelo espaço da convivência coletiva, dos conteúdos gerados pela cultura humana, muitos dos quais são estratégicos para o progresso das relações entre as pessoas ou para a melhoria de suas condições de vida.
A incrível expansão tecnológica
O ‘direito à comunicação’ é o direito a ser informado e a informar, o direito de receber e transmitir livremente informações de qualquer natureza. O pressuposto básico para a sua concretização é o acesso democratizado aos meios, à produção e à distribuição dos conteúdos, que jamais podem ser objeto de qualquer monopólio ou oligopólio e que não podem ser encarados exclusivamente sob o ponto de vista comercial.
Recepcionar o ‘direito à comunicação’ no universo normativo significa reconhecer que o fenômeno antes descrito gera tantos benefícios para a vida em sociedade que deve merecer a proteção do ordenamento jurídico. Cabe ao Direito zelar pela integridade de todo bem que se revele como essencial, útil ou relevante para a realização das aspirações maiores dos destinatários de suas normas. Foi com base em reflexões semelhantes que se realizou a constituição dos direitos à alimentação, à moradia, ao lazer, à segurança…
No sentido dado pelo constituinte de 1988, que a ela dedicou especialmente cinco artigos da Carta Magna (do 220 ao 224), a comunicação social é aquela que se realiza pelos chamados meios de comunicação social, a saber, os jornais e as revistas, a televisão, o rádio… Em interpretação que acompanha a evolução da história, aí também devem ser incluídos os novos canais que vêm surgindo tão velozmente no curso da incrível expansão tecnológica que marca o nosso tempo. É impossível negar a dimensão da internet como meio de comunicação social…
Localização correta, mas insuficiente
Os meios de comunicação social sempre ocuparam lugar de destaque na vida brasileira. Atualmente, sua centralidade é ainda maior. Na sociedade contemporânea, caracterizada por célere processo de globalização e por abrigar uma atividade econômica que vem se organizando cada vez mais em torno do conhecimento, não há como garantir a viabilidade e o êxito da existência da espécie sobre a Terra sem a utilização massiva e diária dos instrumentos apresentados pela comunicação social. Ela é tão vital, hoje em dia, quanto os insumos naturais fornecidos pelo meio ambiente. É tão importante quanto a educação e a saúde. É tão necessária quanto o trabalho.
Por isso, ainda que possa ser explorada para fins de lucro pela iniciativa privada, a atividade da comunicação social deve ser considerada, acima de tudo, empreendimento de natureza fundamentalmente pública, e deve ser exercida segundo critérios que auxiliem a implementar os objetivos comuns.
Alocada entre os capítulos integrantes do título constitucional incumbido de regular a ordem social, a comunicação social é abordada onde também são tratados assuntos de impacto equivalente sobre a vida comunitária, como a seguridade social, a saúde, a previdência e a assistência social, a educação, a cultura, o desporto, a ciência e a tecnologia, o meio ambiente, a família, a criança, o adolescente, o idoso e os índios. Tal localização constitucional do tema da comunicação social é correta, mas não é suficiente para acolher a magnitude do fenômeno e as conseqüências que ele é capaz de produzir.
A inclusão na Constituição
A aquisição plena da cidadania, no mundo de hoje, com grande freqüência requer a fruição integral dos recursos ofertados pelos meios de comunicação social. Em muitos casos, sem o efetivo exercício do ‘direito à comunicação’, o real acesso a vários dos direitos amparados pela Constituição fica mais difícil ou chega até a ser impedido, o que afeta sobretudo as camadas menos favorecidas da população.
Nessa hipótese, caberia ao Estado assegurar as condições adequadas para que o ‘direito à comunicação’ fosse de fato exercido por todos, por meio de ações governamentais e de políticas públicas voltadas para a comunicação social, o que deveria merecer investimentos obrigatórios e permanentes. Assim, o ‘direito à comunicação’ estaria finalmente revestido do caráter de ‘direito social’, aqui entendido de acordo com o conceito largamente difundido pela doutrina jurídica a respeito.
A conseqüência de tal raciocínio seria a inclusão do ‘direito à comunicação’ no rol dos direitos definidos pela Carta Magna em seu artigo sexto, que ganharia a seguinte redação:
Artigo 6º – São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, a comunicação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
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Advogado, jornalista, mestre em Direito Internacional pela UFMG e doutorando em Direito Internacional pela Universidade Autônoma de Madri