Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Uma falsa aparência de modernidade

Para que serve a imprensa? No entendimento vulgar, serve para noticiar, divertir, lucrar e pôr em dúvida a consistência dos valores sociais, rindo-se deles ou satirizando-os. Às vezes, questionando suas manifestações, o que dá ao leitor uma agradável sensação de variedade. Consegue convencer, vender qualquer coisa, lançar ideias.

Para realizar seus propósitos empresariais lucrativos, acaba igualando por baixo toda a freguesia ao privilegiar o mau gosto do público mais ignorante. Contribui assim para a deseducação das pessoas, hipnotizadas e manipuladas pelos recursos psicológicos e artísticos dos jornais e da TV. Deixa, portanto, de exercer a sua melhor função criadora e didática, tanto nos setores mais populares como nos acadêmicos, desperdiçando um valioso potencial de poder e influência. Visando a uma maior divulgação e proveitos comerciais, adota uma falsa aparência de modernidade e progresso técnico.

Tem uma incrível facilidade de mobilizar gente para realizar paradas de propaganda de certos grupos, tais como: homossexuais, religiosos e esportistas, reunindo rapidamente milhares de pessoas nas ruas. Contudo, nunca se viu o mesmo empenho para convocar um protesto contra a corrupção, a impunidade e a sem-vergonhice de políticos e administradores. Nem mesmo para um simples “panelaço” à moda argentina! Talvez por ver-se ameaçada de perseguição política, capaz de aplicar bloqueios e mordaças, incutindo-lhe compreensível medo. Ou para não perder os seus patrocínios comerciais, que geram as desejadas recompensas ao seu negócio. Que subordinação mais inconveniente!

TV fica só na gritaria

Ao proclamar sua pretensa posição de “quarto poder”, obriga-se a praticar as negociações do “politicamente correto”, em vez de assumir a defesa corajosa dos prejudicados por certas espertezas comerciais. Veja alguns desses casos sobre os quais já escrevemos e que, embora singelos, serviriam para exercitar o suposto quarto poder.

Ao comprar um carro novo, você pode ser convocado, mediante o famoso recall, a levar o veículo para conserto, pois as montadoras já não fazem bom controle de qualidade. E se você não atender ao convite, comete uma infração que vai ficar registrada no seu Renavan. Quando for vender o carro, ele estará depreciado e você ficará com o prejuízo. É a legislação invertida que, inexplicavelmente, pune o comprador, que é vítima, em vez de multar os fabricantes, que põem à venda o produto com defeito. Os inocentes pagam pelos pecadores. A contradição parece desconhecida dos jornalistas investigativos, que nunca disseram nada a respeito. Dá para acreditar? Será culpa ou ignorância deles?

Se você é fumante, cuidado! Pode ser flagrado com o cigarro aceso e pagar multa ou ser preso. Em qualquer país do mundo! Contudo, as fábricas de cigarro continuam produzindo e pagando altos impostos… que funcionam como uma forma de suborno. Alega-se que fechar as fábricas estimularia o contrabando. Vejo aí uma confissão oficial de incompetência, covardia e cumplicidade dos governos. A imprensa encobre essa incoerência, já que nunca a denunciou.

O assalto conhecido com “saidinha de banco” só é possível porque os olheiros das quadrilhas ficam dentro do banco, com seus celulares, avisando seus parceiros lá de fora quando um cliente sai com o dinheiro que sacou. O assalto é a consequência inevitável. A televisão se limita a alardear a impunidade dos ladrões. Mas fica só na gritaria!

Estrangeirismos em profusão

Também nas penitenciárias, os bandidos usam celulares para dirigir as ações dos seus comandados ativos, fazendo das prisões o quartel-general do crime. Os celulares entram na penitenciária e ficam funcionando, em poder dos criminosos, embora proibidos. Jornalistas investigativos não descobrem como acontece, ou preferem nada divulgar…

Nos dois casos, esses crimes seriam impossíveis sem os uso dos telefones. Existe um aparelho, fabricado e disponível em Israel, do tamanho de um livro, que pode bloquear os telefones celulares, impedindo-os de transmitir, se for colocado dentro do recinto. Foi publicado nos jornais há alguns anos. Por que não usamos esses bloqueadores, para evitar a saidinha de banco e os comandos dos bandidos? E por que a mídia nunca mais se interessou em noticiar esse recurso? Culpa ou esquecimento? Quem pode estar se dando bem com isso? Não podemos saber se é alguém ou algum grupo, pois não existem denúncias públicas.

Quando o ministro Gilmar Mendes rasgou os diplomas dos cursos de Jornalismo, escrevi o artigo “Protesto”, que foi publicado em alguns jornais locais. Mas foi rejeitado ostensivamente por dois grandes jornais. Um deles me respondeu: “O Estadão agradece mas não vai publicar o artigo”; e a Folha de S.Paulo assumiu: “Rejeitado sem ler”. Agora eles podem contratar empregados mais baratos, sem a qualificação dada pelo diploma. O senhor ministro deve ter recebido muitos agradecimentos…

O principal instrumento de comunicação e trabalho da imprensa é a linguagem. Seu dever é zelar pela pureza gramatical, semântica e redacional do idioma, o que compreende as regras a observar, a ortografia, a etimologia. Foi aprovada em 2007, pela CCJ, a “Lei do Estrangeirismo”, destinada a eliminar os vocábulos estrangeiros que não puderem ser traduzidos, devendo ser aportuguesados. Essa lei “não pegou”. E o que faz a mídia? Nada, absolutamente nada! Mas anuncia uma carteira de investimentos de um banco brasileiro intitulada “it now”! E prédios com nomes como wi, sky, top, you, mood, up, offices, unit, edition, smart, of. Carro nacional promete new thinking, new possibilities. Hard news é expressão usual interna dos jornais, que devia ser traduzida para combater o anglicismo. Há toda sorte de estrangeirismos pululando, em profusão, nos jornais e na TV. Porque os anúncios são muito bem pagos, é claro!

O comportamento que se espera

O ministro Aloizio Mercadante afirmou que 15 empresas querem fabricar no Brasil os tablets, uma espécie de computador em formato de prancheta. Muito úteis e versáteis, não se pode negar, mas preferimos chamá-los de “prancheta”, ou “tablete”, para não colaborar com a invasão do inglês. O instrumento vai ser produzido no Brasil, por brasileiros, para ser comprado e usado por brasileiros que falam português. Mas não tem um teclado ABNT próprio para o português do Brasil. Seu teclado é apropriado para a língua inglesa. O que torna impossível usá-lo para redigir textos em nosso idioma, pois maca não é maçã e maçã não é massa. O governo criou benefícios fiscais e facilidades para aquelas empresas, atendendo a condições apresentadas por elas, mas ninguém pensou em exigir uma adaptação decente do teclado. E se pensou, não teve coragem. Os fabricantes estrangeiros agradecem…

A imprensa não explorou esse tema. Parece haver uma generalizada preferência cafona pelos anglicismos, promovendo a exibição cabotina dessa cultura tão superficial quanto falsa, que ainda vai escrever Brazil com z. Simples descuido, ou conveniência comercial? Ora, tanto faz!

Qual é o envolvimento da mídia em tudo isso? Talvez seja só desinteresse, ignorância ou percepção distorcida dos fatos. Como instituição empresarial, ela parece não ter consciência de sua função educativa, de sua importância na formação do conhecimento e de um elevado espírito de nacionalidade, o que é lamentável. Entretanto, não podemos prescindir da imprensa, falada e escrita. Não saberíamos. Estamos todos viciados em forte dependência da mídia. Se ela está equivocada sobre sua própria natureza, seus objetivos mais nobres e suas responsabilidades sociais básicas, convém esclarecer o verdadeiro comportamento que se espera dela, como órgão essencial da sociedade. Isso cabe aos que têm a posição de poder requerida para tanto.

E tem que ser feito.

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[João Serralvo é contador, administrador e escritor, Valinhos, SP]