Como colocar ponto final num círculo socioeconômico vicioso que já completou meio século no Rio? Segundo o prefeito Eduardo Paes, urbanistas, economistas e líderes de entidades empresariais, para que seja possível colocar ponto final num círculo vicioso, esse processo de pacificação não pode ser interrompido, revela reportagem do jornal O Globo. A violência provoca o fechamento de indústrias e de lojas na vizinhança de favelas, somando-se à evidente estagnação do turismo, acarretando assim desemprego e perda de divisas. Sem falar em danos ambientais, causados pelo avanço de barracos nas matas e, ainda, na desordem urbanística em comunidades, onde são construídos prédios de até 11 andares.
Há um processo em andamento que é gradual e não tem volta. Acabou-se o ceticismo – declarou o prefeito. Dá para fazer. O maior desafio é o de acelerar os projetos para levar, cada vez mais, serviços públicos às favelas. No futuro, teremos uma cidade embalada pelo crescimento e com qualidade de vida – prevê Paes.
Vendo as declarações acima, desconfio que o famoso ‘jeitinho’ carioca virou realidade em nosso governo. Como, presume-se, são a nata da inteligência do Rio os entrevistados para esta matéria, começo a desconfiar que a irresponsabilidade esteja passando os limites e que os cariocas têm que dar uma chamada nessa turma porque a situação é séria e a chance de uma mudança real é única nesse tempo em que vivemos, às vésperas de uma Copa do Mundo e de uma Olimpíada.
Só especulação imobiliária?
Quando tenho contato com as pessoas nas ruas, a maioria me parabeniza pela iniciativa do movimento Acorda Rio; querem participar porque até agora não sentiram nenhuma perspectiva de mudanças críveis que aproveitem as oportunidades conquistadas. Só a Globo não enxerga isso e publica matérias tentando influenciar a opinião pública. Será que isso tem a ver com o fato de a Fundação Roberto Marinho ter estabelecido uma ‘parceria’, sem licitação pública, com o Rio, ao receber de ‘mão beijada’ um orçamento de R$ 243 milhões para fazer três museus? Curiosamente, a prefeitura aumentou a verba de marketing em incríveis 9.000% em relação a 2009.
Está certo que os poderes constituídos se uniram e trouxeram a Copa, a Olimpíada, as UPPs e, de quebra, 50 bilhões em investimentos públicos e privados. Mas é aí que mora o perigo porque não há um planejamento ancorado em metas que quebre o total desmantelamento das instituições, sejam elas públicas ou privadas, fato que mantém a condição de ‘Cidade Partida’. Sem uma real revitalização da economia, após 2016, com o fim dos investimentos, o que faremos com os empregados dessas obras públicas e privadas? Enfrentaremos uma crise sem precedentes. Daí, a necessidade de se pensar um plano diretor que tenha uma âncora socioeconômica que movimente toda a sociedade através de metas de crescimento autossustentáveis, como todas as cidades que se reinventaram tiveram. Não deve existir nem mágica nem ‘jeitinho’, e sim, planejamento em curto, médio e longo prazo com correção de rota. Após mais de dois anos com o prefeito Eduardo Paes, o que mudou de verdade na nossa cidade?
O deputado Marcelo Freixo disse que o Cabral foi reeleito pelas UPPs porque se fosse pelo estado da saúde no estado, ele, governador, estaria preso; se fosse pelo estado da educação no estado, ele, governador, seria chicoteado em praça pública; se fosse pelo estado dos transportes… Enfim, efetivamente qual é a mudança real que estamos vendo? Tão-somente especulação imobiliária?
Museu do Amanhã: qual o acervo?
O píer da Praça Mauá já tinha um projeto com sambinha, projeto arquitetônico em 3D, entre outros. Na primeira manifestação de que aquilo era uma pracinha de cidade de interior, resolveram mudar. Partiram para iconizar a cidade e chamaram um famoso arquiteto. A proposta, apresentada com toda a pompa, não convenceu. Sua estrutura planejada é funcional, se movimenta para captar energia solar, o que é um entrave por causa da maresia à beira-mar, exigindo uma manutenção custosa, sem contar que a concepção precisa ser escondida por vegetação nas laterais e não passa de um corredor. Qualquer brasileiro faria uma concepção melhor dentro da realidade da Baía de Guanabara.
O problema essencial de tudo isso é o total descaramento quanto ao futuro socioeconômico do Rio, porque aquele local sempre foi considerado uma área A.E.I.U (Área de Especial Interesse Urbanístico). Nele, devemos colocar, obrigatoriamente, algo que seja o motor da revitalização da área portuária.
O que o Museu do Amanhã poderá fazer para atrair as atenções mundiais ao Rio e, principalmente, para revitalizar sua combalida economia? A tradição, quase maldição, é de visitações pífias em nossos 106 museus, embora o Rio possua alguns dos mais atrativos e representativos da América do Sul, como, por exemplo, o MNBA, Museu Nacional de Belas Artes, que tem uma das melhores coleções do século 19 do mundo. Se formos ao YouTube, descobriremos que ainda não há um consenso do que vai ser feito porque a ideia era fazer algo similar ao museu interativo do futebol em SP, mas o acordo com a Fundação Barcelona foi rompido e o curador do Museu do Amanhã diz com todas as letras que ainda não sabe o que será feito e qual o acervo. O Guggenheim de Bilbao é tão delirante que todo mundo vai visitá-lo sem ter a menor noção de qual é o seu acervo. Todos querem ver a obra prima de Frank Gehry, o que, convenhamos, não irá acontecer com esse projeto do Calatrava.
O pós-2016 pode ser trágico
Outro investimento anunciado é um píer em formato de Y para permitir maior conforto a quem embarca/desembarca de um cruzeiro marítimo no Rio. Fizeram até contas do retorno para a economia da cidade: 700 mil desembarques por ano, gasto médio de R$ 170,00, o que dá o total de R$ 120 milhões numa estimativa pra lá de otimista. O que ninguém fala é que o investimento é federal, em uma área licitada que deveria fazer este investimento do próprio bolso, visto que não haverá jamais o retorno do capital investido, com o detalhe que a temporada prevista é de cinco meses por ano. Foi com gastos sem retorno como esse que a Grécia mergulhou na crise atual. Qualquer um sabe que é necessário dar realmente conforto aos turistas e que a maior reclamação deles é exatamente a Esmapa (Estação Marítima de Passageiros), que não tem área física para atender à movimentação simultânea de 10 mil ou mais visitantes, como quando ocorre de várias embarcações aportarem juntas. É preciso viabilizar uma área que absorva de uma hora para outra essa multidão e que permita acesso ao transporte com conforto, além de inserir essa demanda no caótico trânsito da área. O que, surpreendentemente, não está sendo pensado.
A única coisa certa desde o início para a prefeitura é a estranhíssima licitação pensada na administração passada, que já foi feita e na qual a prefeitura está colocando um empréstimo de R$1,5 bilhão do FGTS, para preparar a infraestrutura da área portuária para um projeto que ainda não foi apresentado à opinião pública. Não há como preparar uma infraestrutura sem projeto. Como calcular as vazões da infraestrutura sem ter o cálculo volumétrico? Quem formulou esse projeto? Até quando esta cultura de apresentar absurdos sem as digitais? Quem indicou o delegado que trabalhava na prefeitura e que foi preso na Operação Guilhotina, que derrubou o chefe da polícia civil? Em que a especulação imobiliária que se prevê para o local irá influenciar para revitalizar a economia do Rio?
A revitalização da área portuária obrigatoriamente deve ancorar a revitalização da economia do Rio! O Rio deve acordar, senão o pós-2016 será trágico.
Vão levar o Rio à bancarrota
O IPP (Instituto Pereira Passos), irresponsavelmente, já emitiu um laudo dizendo que uma região que hoje tem apenas 20 mil moradores, dos quais poucos possuem carros, e que como é de domínio público tem sérios problemas de trânsito, terá sua população aumentada para 100 mil moradores de classe média e seus veículos, mais escritórios comerciais de luxo (motivo de toda essa especulação imobiliária que tomou conta da cidade logo após o anúncio de que a Olimpíada seria no Rio). Para bancar essa especulação, foi lançado um plano de vendas de Cepac (Certificados de Potencial Adicional Construtivo), copiado do modelo paulista de águas espraiadas, que irá permitir aos compradores desses títulos construírem acima do gabarito até 50 andares. Imagine o tamanho dos lucros para alguns e o transtorno que isso ocasionará a esta região central da cidade e importante eixo rodoviário. O edifício Av. Central, que tem apenas 36 andares, diz em seu site que tem uma população flutuante de um milhão de pessoas. O negócio é tão absurdo por todos os ângulos que convém não mostrar, política seguida à risca pelos seus inventores, e parte da imprensa que apoia os projetos porque tem participação neles.
O laudo é tão irracional que só o natural aumento anual de veículos, da ordem de mais de 40 mil/ano, já levou o diretor do Detran a convocar uma reunião para declarar que se o atual ritmo for mantido, o Rio irá parar em curto prazo. Tudo a ver com pesquisas que apontam que o carioca perde em média uma hora e meia por dia em engarrafamentos. Uma ONG fez pesquisas e no intervalo de quatro anos, descobriu que o tempo médio para ir do centro ao Leblon aumentou em 22 minutos. Imagine o que vai acontecer ao trânsito com a demolição do elevado por motivos estéticos e ao custo de mais de R$ 8 bilhões.
Esta especulação toda se dá também em função das indústrias de petróleo, gás e plástico, petroquímica, cosmética, farmacêutica e naval, que não se locam no município do Rio, e sim, nos arredores. Sendo que a grande maioria destas indústrias ainda não saiu do papel. A cada dia, aparece um índice mostrando que a taxa de vacância de imóveis comerciais, que deve estar num patamar entre 6 a 9% em economias sérias, no Rio se aproxima perigosamente de não haver vaga. Segundo relatório da firma inglesa Richard Ellis divulgado semana passada, no Rio essa taxa está em torno de míseros 1,8%. Tudo usado como desculpa para Felipe Góes, secretário do Desenvolvimento Econômico Municipal, afirmar a importância desse descalabro. Eu não sou contra a indústria da construção civil, só tenho a total certeza de que o que está sendo feito vai levar o Rio à bancarrota total – e os especuladores sabem disso. Só que eles vão embora para explorar outras áreas com o capital especulativo e nós ficaremos aqui com o caos urbano.
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Engenheiro e coordenador do Movimento Acorda Rio, Rio de Janeiro, RJ