Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma imprensa catimbeira

A suposta crise entre o Judiciário e o Legislativo vai durar exatamente uma semana, que marca o novo período de validade dos antigos diários. Por definição, jornal sai todos os dias, mas a agenda da imprensa tem agora uma semana de vida programada, porque os jornais estão tentando substituir as revistas semanais, que acabam de perder para a internet o terceiro posto no ranking nacional de faturamento com publicidade.

Por casualidade ou não, os principais temas dos jornais costumam agora frequentar as primeiras páginas durante uma semana, com a maior densidade de textos aos domingos, como não podia deixar de ser.

O caso que pontificou durante a semana passada foi originado em uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que suspendeu a tramitação de um projeto na Câmara dos Deputados, combinada à votação, em uma comissão do Congresso, de uma proposta que tenta reduzir o poder do STF.

Embora o projeto que propõe relativizar as decisões da Suprema Corte tenha sido uma iniciativa de um parlamentar da oposição, a imprensa deu um jeito de colocar o Executivo no centro da controvérsia, tomando automaticamente o partido do ministro do STF.

Mesmo passados sete dias da eclosão da crise, os textos publicados no período não avançaram no esclarecimento da questão nem explicaram as diferenças entre os dois eventos: uma decisão do ministro da Suprema Corte pode interromper o trabalho dos parlamentares eleitos pelos brasileiros para representá-los; uma votação preliminar numa comissão do Congresso não tem efeito imediato.

Portanto, a imprensa comparou dois objetos de análise absolutamente diversos, dando a eles o mesmo peso, e imediatamente condenou um deles – a iniciativa do parlamentar do Partido Democratas, sugerindo que um representante da oposição estava a serviço da aliança governista.

Essa questão original deveria ser suficiente para estimular alguma reflexão sobre o equilíbrio entre os poderes, mas passaram-se os dias e tudo que os jornais fizeram foi estimular o bate-boca, sem entrar no âmago do problema. Se há uma manobra originada no Palácio do Planalto para emascular o Judiciário, como sugere a imprensa, ou se a iniciativa do ministro do STF representa uma ingerência indevida no processo democrático de discussões do Parlamento, a sociedade tem o direito de saber.

Firulas e malandragens

Os jornais sonegaram a informação principal. Tomaram partido e levaram essa toada durante toda a semana. Quando os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados se reúnem com o ministro do Supremo Tribunal Federal envolvido na pendenga, em busca de uma conciliação, os jornais pinçam nas edições de terça-feira (30/4) declarações de dois parlamentares, entre as muitas que certamente foram feitas ao longo do período de apuração, para deixar no ar a interpretação final de que o Parlamento é que provoca o desentendimento.

É do senso comum que o Congresso Nacional tem pouca representatividade e funciona como um sistema de lobbies, mas, ainda que os eleitores tenham colocado em suas cadeiras alguns homens de pouco valor moral e muitas figuras controversas, esse é o poder com que deve contar a democracia brasileira.

A instituição já se tornou objeto de depreciação geral, mas o funcionamento da República depende basicamente de relações equilibradas entre os poderes. Quando a imprensa decide que um deles sempre está com a razão, em qualquer circunstância, o que acontece é que o chamado “quarto poder” acaba por criar instabilidades e prejudicar a governabilidade do país.

Atrapalhar a governabilidade é uma das táticas mais conhecidas da oposição parlamentar em todos os tempos. Para isso é que existem o instituto do quórum, o recurso da obstrução na votação e outras manobras legítimas do jogo político. Mas a imprensa não é parte desse contexto institucional. Ou não deveria ser.

Uma boa metáfora para essa situação pode ser encontrada no futebol, quando duas equipes se enfrentam e uma delas está em clara desvantagem: a partir de determinado momento da partida, o técnico perdedor manda seus jogadores simularem contusões, chutar a bola para fora, retardar cada jogada, tentar influenciar o juiz e insuflar a torcida. As regras do esporte passam a ser usadas para o antijogo, na tentativa de impedir que a equipe predominante faça suas jogadas e alcance sua meta. O objetivo deixa de ser o jogo em si e passa a ser ocupar o tempo com firulas e malandragens.

No jargão do futebol, isso se chama catimba. O que temos em campo é uma imprensa catimbeira.