Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Uma mancha no sindicalismo brasileiro

Um episódio que entrou para a história como uma mancha no sindicalismo brasileiro diz respeito ao caso Tim Lopes e envolve duas entidades dos jornalistas. Tanto a atual diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) como a do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro defenderam com unhas e dentes a versão sustentada pelo empregador do repórter assassinado pelo narcotráfico, a TV Globo, recusando-se inclusive a examinar denúncias, bem fundamentadas, segundo as quais a tragédia ocorrida a 2 de junho de 2002 poderia ter sido evitada.

Toda a vez que a TV Globo se sente acuada com questionamentos em relação ao seu posicionamento no caso, os diretores da emissora citam a Fenaj e Sindicato carioca a seu favor.

Os dirigentes sindicais das duas entidades simplesmente negaram-se até a discutir os questionamentos apresentados, que mostravam que o assassinato do repórter poderia ter sido evitado não fosse o açodamento irresponsável da TV Globo, que obrigou Tim Lopes a cumprir uma pauta em área de risco – ainda mais ele, que havia se tornado uma figura pública por ter a emissora mostrado, em todos os noticiários, a sua imagem recebendo o Prêmio Esso de Telejornalismo por uma matéria sobre a feira de drogas em favelas do Rio de Janeiro.

Além disso, Fenaj e Sindicato carioca simplesmente se recusaram a dar assistência à jornalista Cristina Guimarães, que sete meses antes do assassinato de Tim pediu proteção à TV Globo por estar sofrendo ameaças de morte. Cristina, hoje fora do mercado do trabalho mas viva, fez matéria sobre a feira de drogas nas favelas da Rocinha e de Mangueira, enquanto Tim se ocupou do Complexo do Alemão – onde se localiza a Favela Cruzeiro, local da tragédia que culminou com a morte do repórter.

Ainda mais lamentável aconteceu na Associação Brasileira de Imprensa. Chamada a prestar depoimento em sessão especial para a diretoria da ABI e Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão, Cristina Guimarães expôs detalhadamente os fatos e, pasmem, foi praticamente encostada na parede por membros da diretoria do Sindicato carioca e funcionários da TV Globo presentes. Ou seja, além de não dar proteção, como seria o seu dever, o Sindicato ainda se voltou contra Cristina, tentando colocar em dúvida as suas denúncias.

A manobra não deu certo, tendo a diretoria da ABI se colocado em favor da jornalista, comprometendo-se inclusive a envidar esforços no sentido de exigir das autoridades que ela recebesse proteção.

Hora do voto

Estamos lembrando fatos de dois anos atrás. A aberração continua. No dia 2 de junho último, o Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro prestou uma homenagem a Tim Lopes convidando parte da família de Tim Lopes, mas não a viúva Alessandra ou a cunhada Daniela, pois ambas são as que mais questionam a versão da TV Globo que a representação sindical carioca aceitou integralmente. A homenagem foi transmitida ao vivo pela TV Globo e apresentada mais tarde no Jornal Nacional.

Cristina hoje continua vivendo praticamente na clandestinidade, passando dificuldades e sem perspectivas de retornar ao mercado do trabalho, enquanto que a TV Globo se recusa a responder perguntas sobre o caso Tim Lopes.

O assassinato de Tim Lopes saiu de pauta nos órgãos de imprensa, mas nem por isso as dúvidas deixaram de existir. Uma delas é sobre uma testemunha que a TV Globo, e não a Polícia, retirou do local do assassinato sob a alegação de que estaria ‘protegendo’esse personagem. Até hoje essa figura misteriosa, que poderia esclarecer em definitivo as circunstâncias que levaram Tim Lopes à morte, continua desaparecida. Nem a Polícia ou os órgãos de imprensa de um modo geral cobraram o aparecimento dessa testemunha.

Outra figura misteriosa é um turista de Cuiabá, que segundo o diretor-executivo da TV Globo, jornalista Ali Kamel, teria assistido e filmado a prisão de Tim pelos narcotraficantes em um suposto baile funk na Favela Cruzeiro. Esse ‘turista’ nunca foi apresentado. E tudo ficou por isso mesmo. Ali Kamel ‘informou’ sobre a existência do ‘turista de Cuiabá’ no programa Observatório da Imprensa na rede pública de TV, em 10 de junho de 2002.

O que teriam a dizer Beth Costa, presidente da Fenaj e atualmente editora de internacional da TV Globo e Nacif Elias Sobrinho, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro?

Por estas e muitas outras é necessário que os jornalistas estejam atentos em relação à próxima eleição para a renovação da diretoria da Fenaj. Concorrem duas chapas: a da situação, que pretende manter a mesma linha de conduta que a da atual diretoria e a chapa 2, de oposição, que quer que a entidade máxima da categoria volte a representar e defender os interesses dos jornalistas e não os do patrão.

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Jornalista, coordenador de jornalismo no Rio de Janeiro do semanário Brasil de Fato