Os jornais noticiam nesta quinta-feira, 10/11, que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou novas regras para a lei seca determinando que pode ser considerado crime dirigir sob o efeito de qualquer nível de concentração de álcool.
Ainda antes de chegar à opinião pública o entendimento do que representa tal mudança, a iniciativa dos parlamentares provoca grande polêmica, que já vem anexada ao mesmo noticiário.
Isso porque certos temas são expostos ao longo do dia anterior nos sites dos jornais, onde são colhidos comentários de leitores que posteriormente serão reproduzidos nas edições de papel.
Assim, além do próprio conteúdo da notícia, o leitor do jornal tradicional tem à disposição uma seleção de opiniões de leitores que se informaram na edição online, o que dá outra dinâmica ao próprio noticiário.
Ao coletar e reproduzir comentários depositados em seu site, os jornais têm a possibilidade de melhorar a versão impressa de conteúdos que vão amadurecendo ao longo do dia, porque entre esses comentaristas podem eventualmente constar leitores especializados em determinados temas.
No caso da decisão da comissão do Senado, chama atenção uma nota, colhida na edição online do Estadão. Diz o leitor: “E as propagandas de álcool na TV são liberadas e incentivam os jovens a beber”.
A frase, curta e direta, amplia sensivelmente o alcance das análises sobre certas medidas legislativas.
Enquanto os juristas debatem contradições evidentes das novas regras, o leitor desvia a conversa para uma questão que envolve também a mídia – afinal, se beber qualquer quantidade de álcool passa a ser crime se o cidadão assumir o volante de um carro, a publicidade de bebida deveria obrigatoriamente ser tratada com critérios mais rigorosos.
Há muitas outras opiniões na imprensa sobre a decisão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, como a de uma senadora que alerta para a possibilidade de alguém ser enquadrado por dirigir após comer um bombom de licor.
Pode-se dizer também que alguns xaropes ou até mesmo certos medicamentos homeopáticos e sprays de própolis podem conter alguma quantidade de álcool.
De qualquer modo, a controvérsia está instalada e vem a propósito para esclarecer como é difícil legislar sobre certos problemas sociais que envolvem grandes interesses econômicos e grande repercussão na sociedade.
Ninguém discute a necessidade de colocar sob controle cidadãos que dirigem sob o efeito de álcool ou drogas, mas o problema extrapola a decisão individual.
Legislando para a platéia
Para alguns dos comentaristas ouvidos pelos jornais, ao tentar conter o resultado de decisões judiciais que vêm reduzindo o efeito da lei seca, os senadores acabam criando um “frankenstein” legislativo.
Como exemplo, citam o fato de que, se a nova norma for aprovada, um motorista embriagado que causar a morte de alguém não será processado por homicídio, mas apenas por dirigir alcoolizado, sendo considerado agravante o fato de ter causado a morte de alguém.
O ponto central da polêmica é a proposta de acabar com a tolerância mínima de dosagem alcoólica para considerar um motorista como criminoso.
A motivação da mudança no conceito é um conjunto de decisões judiciais que, na prática, poderiam anular a lei seca. O Supremo Tribunal Federal reafirmou, em setembro passado, que beber e dirigir é crime, mas o Superior Tribunal de Justiça havia determinado que o bafômetro não é impositivo, porque nenhum cidadão pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.
A proposta dos senadores é que qualquer pessoa que tomar qualquer quantidade de álcool seja considerada criminosa se assumir o volante de um veículo a motor em seguida.
A partir dessa qualificação inicial, as penas vão se agravando se houver incidentes no trajeto: se de um acidente resultar lesão corporal leve, como um arranhão, o motorista que tiver ingerido qualquer quantidade de bebida alcoólica, como uma colher de licor, poderá ser condenado à prisão por um período de um a quatro anos; se causar lesão grave, como uma fratura, poderá cumprir de três a oito anos de cadeia; se a lesão for gravíssima, a pena varia de seis a doze anos; em caso de morte, a condenação pode chegar a dezesseis anos de cadeia.
Conclusão: o motorista que pegar o carro após tomar uma xícara de café com conhaque e se envolver num acidente, mesmo que não tenha provocado o acidente, poderá ser condenado a uma pena duas vezes maior do que a daquele cidadão que matou a ex-namorada a tiros, sem chance de defesa.
Esse é o tipo de aberração que se produz quando um fato social grave – como os acidentes provocados por motoristas bêbados – ganham grande repercussão e os legisladores deixam o bom senso de lado para atender a pressão da opinião pública.