Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma questão de gênero

A imprensa – que parece ter esgotado sua criatividade na cobertura das eleições – poderia fazer uma pesquisa especial. Perguntar aos eleitores que diferença faz, para eles, o fato de haver duas candidatas do sexo feminino à presidência da República. E, talvez o mais importante nessa história, se alguém leva em conta o fato de Dilma ou Marina serem mulheres na hora da escolha.

Com base nos resultados, descobriríamos o que os eleitores pensam das mulheres na política e, mais especificamente, em que pontos eles acham que as mulheres se diferenciam dos colegas do sexo masculinos que ocupam ou disputam o mesmo cargo.

A candidata Marina da Silva, em comício em Santa Catarina, fez uma declaração interessante: ‘Parece que o povo brasileiro quer uma mulher na Presidência. Então vamos equilibrar o jogo entre as mulheres e levar as duas ao segundo turno’, pediu, em Florianópolis. ‘Não precisamos desistir deste sonho’ (Folha de S.Paulo, 29/08/2010).

Como retórica eleitoral, a frase até vale, mas se considerarmos a opinião dos estudiosos do assunto – que agora têm ocupado espaço em longos artigos nos jornais – parece que o que os eleitores querem é a continuidade do governo atual, sem levar em conta o sexo da candidata.

Estados não cumprem cota de candidatas

Tanto é verdade que a própria campanha do PT ainda não resolveu se Dilma – caso eleita – será presidente ou presidenta: ‘`Afinal, ela vai ser presidente ou presidenta?´, perguntou Rosane dos Santos, ao deixar um comício em São Paulo, na última semana. A militante se referia ao título que a candidata do PT ao Planalto, Dilma Rousseff, teria, caso eleita. A confusão tem origem no uso, desde o início do ano, nos discursos da candidata, do presidente e de outros aliados, do termo presidenta. A alteração do gênero da palavra, que na ortografia não tem versão feminina, foi uma forma de reforçar o fato de Dilma ser mulher. Em eventos como comícios e falas informais, o presidenta será bastante usado, em especial por Lula e Dilma. O presidente ficará para os programas de TV, discursos para um público mais tradicional e debates’ (Folha de S.Paulo, 29/08/2010).

Outra sugestão de pauta – para fugir da cobertura repetitiva – seria mostrar se o fato de haver duas mulheres entre os candidatos a presidente com maior destaque está influenciando a disputa para os outros cargos – senador, deputado federal e deputado estadual. Os partidos, por lei, precisam ter 30% de mulheres entre seus candidatos, mas nem o fato desta ser uma eleição diferenciada – em que pela primeira vez uma mulher tem chances reais de chegar à Presidência da República – parece fazer diferença. Segundo dados do TSE: ‘ Dos mais de vinte e um mil candidatos que realizaram seus registros junto à Justiça Eleitoral, somente 21,5% são do sexo feminino. O estado onde há mais mulheres concorrendo a cargos políticos neste ano é o Rio de Janeiro, seguido por Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Já os estados em que há menos mulheres candidatas são Espírito Santo, Pernambuco e Minas Gerais.’

Tiririca garante: pior não fica

É ainda o TSE que divulga outro dado interessante: as mulheres vão melhor nas regiões menos desenvolvidas, onde, não por acaso, Dilma Roussef tem mais votos. Segundo o TSE: ‘As regiões Norte e Sul não são distantes apenas em termos geográficos. Existe uma distância, também, quando se olha o percentual de mulheres candidatas e eleitas para a Câmara Federal, em 2006. A região Norte lançou 15,22% de candidaturas de mulheres e elegeu 13 deputadas federais, em 2006, representando 20% das 65 vagas disputadas, enquanto a região Sul lançou apenas 10,93% de mulheres, elegendo apenas 4 deputadas, representando 5,19% das 77 vagas disputadas. Ou seja, a região Sul, com o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), possui a menor representação política das mulheres do Brasil, enquanto a região Norte, com níveis baixos de IDH, possui a maior representação política feminina na Câmara Federal.’

Talvez a imprensa devesse fazer matérias mostrando o perfil das mulheres que se elegem no Norte e Nordeste. Uma coisa é certa: lá as candidatas têm história – sua ou familiar – e tradição política. Não são, como acontece no sul maravilha, candidatas como a Mulher Pera – seja ela quem for –, que faz questão de aparecer em Veja usando um espartilho (aquele instrumento de tortura popular no século 18 e começo do 19). Segundo ela, se eleita vai ter que se vestir mais discretamente (‘Lá é preciso ter um certo respeito’). É por essas e por outras que às vezes dá vontade de votar no Tiririca que garante: pior não fica. Será?

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Jornalista