No Brasil costumamos reclamar que o voto não é ideológico, que as siglas partidárias não são levadas em conta na hora de escolher um candidato, e que a política, principalmente nas pequenas cidades, se faz em troca de favores e escolhas pessoais. Dizemos isso achando que em países ricos e desenvolvidos, com grande tradição democrática, as coisas são diferentes.
Deste ponto de vista, a escolha dos candidatos a candidato para a próxima eleição presidencial norte-americana – e a cobertura diária da mídia – pode até nos alegrar. Enquanto reclamamos que os votos aqui são dados a pessoas, e não a ideologias, nos Estados Unidos a situação é bem pior. Não se vota a favor, vota-se contra. É isso o que se conclui da frase do senador Barak Obama publicada semana passada: ‘É claro que tem gente que não vota em mim porque sou negro. Assim como há pessoas que não votam em Hillary [Clinton] porque ela é mulher’ (O Estado de S.Paulo, 16/1/2008).
A luta de preconceitos não pára por aí. Se do lado democrata os eleitores têm que decidir contra o negro ou contra a mulher, no lado republicano eles decidem contra o mórmon ou contra o evangélico. Mas, como do ponto de vista de cobertura-show os democratas são mais atraentes, quem tem recebido mais atenção da mídia são os dois senadores democratas: o homem negro e jovem e a mulher branca de 60 anos.
Casos antigos
Na semana passada, um novo preconceito entrou em cena na cobertura: o fato de que os hispânicos não votam em negros, confirmado pela vitória de Hillary em Nevada, onde há uma grande percentagem de latinos entre os eleitores.
Nesta luta de preconceitos, pelo menos sob a ótica da cobertura da mídia, Barak Obama leva a melhor. Dele, o pior que já foi dito é que não usa a cor como ponto forte de campanha. Em vez de falar de negros e brancos, o senador fala da necessidade de unificar o país, dividido entre azuis (democratas) e vermelhos (republicanos). O fato de não usar o fato de ser negro na campanha é visto como ponto positivo, com raras exceções, como a declaração do professor de Ciências Políticas da Universidade de Chicago, Michael Dawson: ‘Obama deveria abordar mais a questão da raça, contando como latinos e negros podem se unir e acabar com a desconfiança mútua’ (O Estado de S.Paulo, 18/01/2008).
Poupado pela mídia, Obama vê sua oponente ser criticada pela frieza, pelas lágrimas e até por escândalos do passado nos quais foi vítima quando desempenhava o papel de primeira-dama na Casa Branca. Na semana passada, os famosos casos de Bill Clinton, já passados dez anos, voltaram ao noticiário: mostrou-se quem foram as envolvidas e o que elas fazem hoje. Segundo o Estadão (18/1/2008), ‘Mônica Lewinsky torce contra a candidatura de Hillary para não virar notícia de novo’.
O exemplo Dilma
Para Obama, a mídia americana (como têm mostrado os artigos traduzidos pelos jornais brasileiros) reservou o tratamento de ‘fenômeno’ e ‘novidade política’. Para Hillary, o ranço de ‘meia-idade’ e ‘frieza’.
O comportamento da mídia americana foi analisado no Los Angeles Times pela jornalista e escritora Suzan Faludi:
‘A mídia, os especialistas e analistas de pesquisas têm visto a histórica candidatura feminina, e a própria candidata, pelo prisma Madonna-Medéia que aplicam, desde pelo menos a era vitoriana, a mulheres que se aventuram na vida pública americana. Com isso ignoraram um modelo, totalmente distinto da feminilidade que é central para a experiência feminina. Se estão determinados a pensar em Hillary Clinton em termos de estereótipos femininos, ao menos deveriam usar o estereótipo correto. (Hillary) Clinton, e virtualmente todas as políticas mulheres que surgiram antes dela, acabam sendo avaliadas segundo uma velha divisão, e depois condenadas de um jeito ou do outro: compassiva ou molenga demais’ (O Estado de S.Paulo, 20/01/2008).
Parece que as políticas brasileiras levam a melhor. É só ver o caso da ministra Dilma Rousseff e o tratamento que recebeu da mídia no caso da nomeação do ministro de Minas e Energia. Em momento algum a mídia analisou as atitudes dela sob o ponto de vista do sexo. Falou-se da atitude de uma política forte que venceu uma batalha. Exatamente como deveria ser o noticiário.
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Jornalista