Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma revolução byte por byte

‘Ser testemunha implica um enorme compromisso’, diz Elie Wiesel, sobrevivente dos campos de concentração de Auschwitz e Buchenwald e Prêmio Nobel da Paz. ‘Não tem nada a ver com máquinas. É o olho que vê, o ouvido que escuta.’ Estamos conversando ao telefone e, como grande parte do mundo esta semana, falando do Egito.

Mas nossa conversa é menos sobre as últimas notícias da Praça Tahrir e mais sobre o fenômeno internacional do espectador visual que ela tem inspirado. Já vimos isso antes: legiões de cidadãos globais assistindo a uma crise que se desenrola em tempo real e, equipados com uma nova tecnologia, procuram fazer o pouco que podem – disseminar links, retransmitir pelo Twitter os apelos de ajuda, ou simplesmente continuar em meio ao fluxo das comunicações difíceis, fascinados com tudo isso.

Nos últimos dias, essa curiosidade digital recomeçou no Egito e um debate foi reiniciado. A revolução será pelo Twitter? O debate tende a se inflamar quanto se questiona se todo esse reflexo digital de uma crise, especialmente quando a internet está inacessível ou censurada, tem alguma utilidade para aquelas pessoas que se manifestam.

Vida e memória

Hoje, aos 82 anos de idade, Elie Wiesel está um pouco afastado das mais novas tendências da tecnologia, mas é mais vigoroso do que muitos que têm a metade da sua idade em ver um lugar para a tecnologia na tragédia. ‘Por causa da tecnologia e dos progressos feitos nesse campo, especialmente nas comunicações, ninguém tem mais desculpa para dizer, ‘não sabia’.’

Em parte, o fato de o sofrimento de outros estar acessível para grande parte do mundo em tempo real, e em parte a multiplicação de possibilidades para publicar e ter acesso ao que outros publicam, deixam as pessoas menos limitadas a fontes particulares.

Mas existe um paradoxo quanto a este testemunho digital. Em meio ao caos, à fragmentação e ao dilúvio de notícias no mundo da mídia digital, fica fácil para a testemunha ouvir, mas talvez mais difícil escutar com atenção. São múltiplos ruídos; o sinal fica mais escasso.

Se uma ideia animou a vida de Wiesel, é a do poder da memória. A memória proporciona cultura, ele gosta de dizer: memórias partilhadas podem evitar que as tragédias não voltem a ocorrer. Ele se pergunta às vezes se as lembranças frenéticas e efêmeras da nossa era digital têm alguma coisa a ver com o tipo de memória à qual ele dedicou a sua vida. A internet pode servir de repositório de testemunhos, mas também pode ser uma casa dos espelhos divertida, em que os fatos são refletidos, distorcidos e deturpados.

‘Não existe vida sem memória’, afirma. ‘Mas quando ela é excessiva, quando é muita coisa, então não sabemos mais o que veio primeiro, se o fato ou a memória do fato.’

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Colunista do International Herald Tribune