A semana que começou com a surpreendente aliança entre o PSB e a musa da Rede Sustentabilidade se completa na quinta-feira (10/10) com o espanto provocado pelo apoio dado publicamente pelo sindicato dos professores do Rio ao movimento conhecido como Black Bloc. Em manifesto distribuído pela direção da entidade, os funcionários da educação pública estabelecem uma linha de combate na qual o Estado, representado pela Polícia Militar, é o inimigo, enquanto os vândalos são tratados como aliados, uma espécie de sistema de segurança informal dos grevistas – agora devidamente formalizado.
Diz o documento divulgado pelos jornais que os professores “defendem “incondicionalmente os Black Blocs das ações policiais”. Mais adiante, afirma: “O Estado e seus gestores [citando o governador e o prefeito do Rio] iniciaram uma ofensiva militar contra os movimentos sociais e a nossa greve, através de choques, bombas e sprays de pimenta. Devemos nos defender e seguir nas ruas”. Portanto, conclui o manifesto, os grevistas precisam “organizar a sua própria autodefesa (sic) contra as ações dos policiais”.
Ora, se os professores consideram necessário, como dizem, “se defenderem a si próprios” contra os representantes do Estado, e para isso convocam e convalidam a tática destrutiva dos Black Blocs, é de se perguntar por que razão não buscam proteção mais eficiente, convocando as milícias e o narcotráfico para fazer o enfrentamento com a polícia.
Afinal, se houve recentemente algum avanço no conflagrado ambiente social do Rio de Janeiro, que mantinha grande parte da sociedade refém das quadrilhas que dominavam as favelas, os narcotraficantes e sua contraparte, as milícias formadas por policiais corruptos, são inimigos naturais do governo do Estado.
Ao convocar os Black Blocs como sua guarda particular, o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação está declarando uma guerra ao Estado ao qual seus representados são vinculados, não ao governo circunstancial.
Curiosamente, a greve e todas as manifestações que têm resultado em violência e depredações são justificadas por uma suposta campanha “em defesa da educação pública de qualidade”. Se, em defesa do ensino público, os mestres admitem o uso da violência, como reagirão quando os estudantes resolverem depredar as escolas, símbolos da incúria na educação?
Cui bono?
Imagine o leitor ou leitora qual será o resultado, sobre os adolescentes das escolas públicas do Rio, da declaração de uma entidade da educação em favor de grupos de indivíduos que, mascarados, se dedicam a atacar o patrimônio público e sedes de empresas, em nome de uma cruzada contra… contra o quê, mesmo?
Considere-se, então, o efeito dessa mensagem circulando nas redes sociais digitais como uma convocação geral ao confronto, sem uma reflexão sobre possíveis consequências de uma conflagração geral nas ruas da cidade. Façamos, então, aquela pergunta básica dos latinos: “Cui bono”, ou seja, a quem beneficia tal circunstância?
Se o leitor crítico revisitar o histórico das manifestações que eclodiram nas grandes cidades brasileiras a partir do mês de junho, vai observar que elas tinham um foco original, a mobilidade urbana, mas essa reivindicação central catalisava um sentimento difuso de mal-estar com a persistência de problemas institucionais, como a má qualidade da educação e da saúde, a inoperância da Justiça, a baixa representatividade do sistema político e os altos índices de violência, aí incluída a arbitrariedade policial. Era, portanto, um conjunto de causas dispersas que apontavam para o mau funcionamento das instituições da República.
No entanto, o ingresso dos grupos organizados de predadores anônimos desviou a direção dos protestos para figuras específicas, o que tornou o movimento vulnerável a manipulações. Essa talvez seja a causa do refluxo dos protestos originais, que mudou o perfil dos manifestantes e a natureza das passeatas – em vez dos milhares de pessoas caminhando pacificamente com seus cartazes, o que se vê desde então é a ação dos grupos de vândalos, cada vez mais organizados, se apropriando das causas coletivas para exercer seu propósito destrutivo.
Centenas de páginas já foram publicadas pela imprensa na tentativa de explicar esse fenômeno. Alguns fazem paralelos com as barricadas de 1968, recortando a História como quem seleciona figurinhas num álbum. Esse é um debate sem fim, mas o essencial pode ser apreendido no senso comum segundo o qual é preciso desconfiar de toda tática que tenta ocultar a estratégia que a motiva.
A imprensa condena liminarmente a ação dos Black Blocs, mas ainda não se dispôs a investigar a quem eles servem.