Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Vale tudo, é Carnaval

Esta semana há três exemplos de como uma informação plantada nos meios de comunicação vão acostumando os leitores a concordar com as propostas enviesadas dos autores, que disfarçam suas verdadeiras intenções:

1) Philip Morris propaga que está pesquisando um cigarro que reduza os mais de 4 mil agentes maléficos à saúde constantes nos cigarros atuais, e pede ajuda dos órgãos reguladores do governo e autoridades de saúde nessa direção, visto que assim os brasileiros poderão receber informações completas sobre eles e teriam a ‘opção de decidir’ fumá-los ou não;

2) Monsanto divulga nos principais meios de comunicação de massa, sob o lema ‘mais saúde para todos’, embalado pelos acordes do hino à liberdade dos versos de Imagine, de John Lennon: ‘Se você já pensou num mundo melhor já pensou em transgênicos’;

3) No mesmo dia em que é divulgada a notícia de que os sul-coreanos clonaram cerca de 30 óvulos humanos para gerar células-tronco que serão usadas na recuperação de partes lesadas do corpo, a manchete nos sites da internet e na ‘grande’ mídia é que o Brasil não poderá se beneficiar dessa técnica, visto que é proibido por lei fazer clonagem de humanos em seu território! Ainda nem sabem o resultado da tal ‘nova tecnologia’ de clonagem, e já estão usando como argumento para um liberô geral nesse delicado campo de pesquisa genética!

Fraudes e empulhações persistem na maciça propaganda das cervejas, anunciando bem baixinho no fim: ‘Consumir com moderação’. Imaginam que em época de Carnaval vale tudo, que ninguém está ligando mesmo.

José Renato M. de Almeida, Salvador

 

A culpa é do Capi

O jornal Diário do Amapá, conhecido por defender arduamente os interesses do governador do Amapá, Waldez Góes (PDT-AP), acabou pisando na bola: na edição de ontem publicou foto do governador com a seguinte legenda: ‘Governador Waldez Góes: perigoso assaltante’. A mancada, que causou até o afastamento do editor-chefe do jornal, foi remendada pelo diretor em nota publicada na edição de hoje (16/2).

Ocorre que o diretor do jornal é inimigo ferrenho e conhecido do ex-governador do Amapá, o hoje senador João Capiberibe (PSB-AP). Como não poderia deixar de ser, devido ao estilo do diretor, Luis Melo, do Diário do Amapá, em sua nota de desculpas inclui o nome de Capiberibe, sem que este tenha qualquer relação com o caso.

Mas o mais irônico de tudo é que na mesma edição o colunista Carlos Bezerra publica artigo intitulado ‘A culpa é do Capi’, em que se refere justamente a essa mania de colocar a culpa de tudo no senador Capiberibe, conhecido como Capi.

A culpa é do Capi, por Carlos Bezerra

Dois amigos discutiam acirradamente. O assunto, como não podia deixar de ser, era a política. Um, era partidário do ex-governador. O outro, adversário. Ambos, absolutamente desimportantes. A discussão girava sobre o afastamento do chefe do Executivo, acusado por deputados de má-gerência de recursos federais. Culpado ou inocente? – Culpado!, sentenciava um. – Inocente!, defendia o outro. Um perorava sobre o crime de responsabilidade que o ex-governador supostamente cometera. O outro defendia seu criador, dizendo que o certo era não mandar dinheiro para aqueles #@&?}%$!!!.

Aí a coisa engrossou. – #@&?}%$!!! é o ex-chefe do Executivo, retrucou o ofendido. Aí, o pau comeu em casa de Noca, como se dizia antigamente. – Puxa-saco!, acusava um. – Áulico, respondia o outro. – Corrupto!, atacava este. – Ladrão!, respondia aquele. – Canalha! – Bandido! – Biltre! – Pulha! – Safado! – Vigarista! – Pilantra! – Ordinário! – A culpa é tua. – Negativo, é tua. – É do Capi.

Pronto. Estava instalada a guerra e uma amizade de décadas tinha ido para o espaço. De repente pararam. O estoque de ofensas terminara. Envergonhados, olharam um para o outro sem saber o que dizer. Difícil dar o primeiro passo. Ou estender a mão. Que fazer? O desempate aconteceu por conta de um amigo comum. Sem saber o que acontecera, chegou falando pelos cotovelos. – Pessoal, vocês não sabem o que aconteceu… Os dois, esquecendo por um momento suas divergências e tomados de súbito interesse, perguntaram a uma só voz: – O quê? O quê? – E o terceiro amigo, com ar trágico, respondeu: – Um desastre, uma hecatombe, uma coisa pavorosa, o fim do mundo, uma tragédia, exagerou.

Os dois amigos entreolharam-se. Sabiam do hábito do amigo de aumentar um pouco as coisas. Não que fosse um mentiroso. Apenas, aumentava as proporções do fato. Em suma, era um exagerado. De qualquer modo, viram ali a oportunidade de sair da situação em que se encontravam e insistiram na pergunta. – Mas, afinal de contas, o que aconteceu?, perguntaram em uníssono. E o outro: – Imaginem que arranjei uma garota. Uma gata, pra ser mais preciso. Quase uma Vera Fischer. Uma Ana Paula Arósio, uma Maria Fernanda Cândido… – Sim, e daí? Onde a tragédia?, perguntaram os dois.

E o terceiro amigo, com ar desolado, respondeu: – É que o impossível aconteceu. Simplesmente broxei. – Como é que é? Você broxou com um mulherão desses? – Verdade verdadeira. Falhei miseravelmente, lamentou-se o pobre-diabo. – Mas como foi possível acontecer uma coisa dessas?, compadeceu-se um, solidário com a desgraça do amigo. – Pois é, vocês sabem quem é o responsável por tudo o que de ruim acontece no estado, não sabem? Os dois entreolharam-se, pois não sabiam. Mas, permaneceram em silêncio. E o broxado amigo, interpretando o silêncio como uma confirmação, ratificou: – Pois é, a culpa, como não podia deixar de ser, é do Capi.

Katia Figueiredo