Dando razão ao ex-presidente Lula, que numa palestra a religiosos, na quinta-feira, disse jamais ter visto “o ódio na sociedade” contra o PT, dois dias depois a ex-ministra de Direitos Humanos e atual deputada federal pelo partido, Maria do Rosário, foi abordada em um shopping de Porto Alegre por um cidadão acompanhado de uma criança. “A tua hora de morrer vai chegar”, disparou.
Também nesta semana, depois de ir ao ar a sua entrevista com Dilma, picharam “Jo Soares morra” na frente do prédio onde ele reside – por ter sido, como acham os seus detratores, complacente com a petista.
A constatação de Lula, a ameaça a Maria do Rosário e o ato contra Jo Soares saíram nos jornais. Saem também em jornais como o Estadão, dia sim, o outro também, cartas vitriólicas contra a presidente, o antecessor, o governo e o partido de ambos. A imprensa dá guarida a leitores especializados em descer o porrete neles a qualquer pretexto.
Mas isso é fichinha perto do tsunami de antipetismo que inunda as redes sociais. Está claro que o ódio à legenda é desproporcional a seja lá o que as suas figuras estreladas tenham feito em matéria de corrupção, incompetência e mistificação.
Os “odiadores” talvez representem uma parcela pequena da população. Segundo uma pesquisa do instituto Vox Populi apenas 12% dos entrevistados declararam ter repulsa pelo PT. No entanto, só um sismógrafo das emoções humanas seria capaz de captar a intensidade desse ódio.
É comparável, para ficar em um exemplo da hora, ao ódio que levou Dylann Roof a matar nove negros numa igreja de Charleston, na Carolina do Sul. Não que vão sair matando petistas por aqui. Mas a força da aversão é análoga.
Expressão assustadora
O ódio de classe decerto tem a ver com a gana de varrer o PT da cena. Foi o que alimentou – até desembocar no golpe de 1964 – o antigetulismo que levou o ex-ditador a se suicidar 10 anos antes. Morto Vargas, o ódio das elites tradicionais e da relativamente nova classe média se voltou contra o PTB.
Um dos dois partidos criados por Getúlio (o outro era o PSD, que lhe servia de contraponto), o PTB foi o único partido da chamada República de 1946 a crescer a cada eleição para a Câmara dos Deputados. Com o tempo, a sigla e os seus sindicatos foram ficando menos pelegos e mais reformistas. No começo dos anos 1960, com Jango na presidência, o PTB em que os pobres votavam se tornara uma ameaça efetiva ao status quo.
Mas, conquanto fundamental, a relação de classe não explica por si só o ódio ao PT. Ou, melhor, à falta de pesquisas, é temerário atribuir a repugnância destrutiva ao partido apenas às transformações sem precedentes na paisagem humana brasileira produzidas pelo petismo no governo, reduzindo o secular apartheid social no país.
Sim, o espaço público, em sentido literal, ganhou novos frequentadores para desconforto e desgosto dos seus usuários até então exclusivos (ou quase). O exemplo óbvio é o das filas mais longas diante dos balcões de check-in e as salas de embarque mais apinhadas nos aeroportos.
Ainda assim, manda a prudência que se suspendam as conclusões talvez simplistas sobre as origens e as motivações do antipetismo, enquanto isso não for investigado satisfatoriamente.
O que não impede de cobrar da mídia mais atenção ao assunto, para além do registro de episódios como os vividos pela deputada Maria do Rosário e, antes dela, pelos ex-ministros Guido Mantega e Alexandre Padilha, destratados em restaurantes. O “ódio da sociedade” de que falou Lula é uma expressão assustadora de xenofobia política.
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Luiz Weis é jornalista