Nessa quarta-feira (12/7), Zinédine Zidane confirmou numa entrevista exclusiva e ao vivo a Michel Denisot do Canal Plus que Materazzi ofendeu-o. Com que palavras, quis saber o jornalista? Zidane se limitou a dizer que ele ofendeu sua mãe e sua irmã.
‘Claro, é um gesto que não se deve fazer, digo alto e bom som. Peço desculpas a milhões de crianças que viram essa cena. Peço desculpas a educadores que dizem o que se deve fazer ou não. Mas não me arrependo. Se me arrependesse significaria que ele tinha razão e isso não é verdade.
Ele disse palavras muito violentas, que me atingiram profundamente. Reagi, pois há palavras que são mais duras que atos’.O craque pediu desculpas pelo seu gesto diante das crianças para quem ele é um exemplo. ‘Mas se fala sempre da reação e não da provocação que a gerou. Se reagi, é porque aconteceu algo, uma provocação grave. Acho que deve haver sanção de quem fez a provocação e não apenas de quem reagiu à ofensa’.
A personalidade preferida dos franceses, eleito por três vezes seguidas numa pesquisa do semanário Le Journal du Dimanche sempre contou com a simpatia da mídia francesa, que trata com especial carinho o filho de imigrantes argelinos, nascido em Marselha na cité (bairro popular) chamada Castellane. Como a metade dos jogadores da seleção francesa, Zidade é originário das banlieues (subúrbios) pobres, como lembrava no domingo da final o Journal du Dimanche. A matéria dizia que nesses guetos de imigrantes pobres, o futebol e o rap são a grande porta de saída para um destino de glória.
A carreira do craque, chamado de Zizou pelos torcedores e colegas de seleção, foi exaustivamente rememorada por toda a mídia nesses dias de Copa. O herói que encerrava sua carreira com chave de ouro, disputando uma segunda chance de vitória no mundial – depois de um grande show de bola, sobretudo no jogo contra o Brasil – estava no Olimpo. Era um semideus.
Mas como para lembrar que é humano, Zidane reagiu intempestivamente e, como um carneiro, cabeceou Materazzi que o xingara.
Craque prometeu se explicar esta semana
Pourquoi? O que disse Marco Materazzi a Zidane?
Essa foi a pergunta que agitou a mídia mundial nos últimos dias até ser respondida na quarta-feira pelo craque num tom sereno e elegante.
Apesar da dureza de alguns comentaristas que condenaram seu gesto, 61% dos franceses ouvidos por uma pesquisa de opinião o perdoam e 78% o consideram o melhor jogador da Copa.
Segundo o jogador Lilian Thuram, entrevistado terça-feira à noite, Zidane lhe disse que o italiano o teria ofendido gravemente. ‘Mas ele caiu na armadilha de Materazzi’, lamentou Thuram, que não quis dizer que palavras teriam sido usadas para a ofensa, acrescentando que cabia a Zidane contar.
Na capa do especial da Copa chamado Le Mondial, que sai segunda datado de terça-feira, dia 11, o Le Monde deu duas fotos abertas na horizontal em meia página cada: no alto o capitão italiano correndo no campo com a taça na mão. O título da foto é Tête haute. Na parte inferior da capa, Zidane sai do campo, retirando uma tira de pano da mão, de cabeça baixa, e passa justamente ao lado da taça. O título da foto é: Tête basse.
Nesse número, o jornal resume alguns textos da imprensa estrangeira, decepcionada com o gesto de Zidane. Em outra matéria, ilustrada com três fotos da agressão a Materazzi, intitulada ‘Zinédine Zidane, a lenda maculada’, Bruno Caussé, enviado especial a Berlim, não poupa o craque e começa dizendo: ‘Ele maculou sua partida, como uma criança estragada e mal-educada’. Num box, ele comenta que esse primeiro caso de videoarbitragem deve fazer jurisprudência. ‘Viva o vídeo no futebol!’ ironizou o treinador da seleção francesa Raymond Domenech.
Mãe é sagrada
O Le Monde da terça-feira também reproduziu a informação do jornal italiano La Gazzetta dello Sport na qual Materazzi conta que Zidane foi ‘super-arrogante’. O jogador italiano insultou o francês, como ele mesmo conta, sem explicar o que disse exatamente. Negou que tivesse xingado a mãe do jogador: ‘Mãe é sagrada’, disse Materazzi.
A imprensa francesa não se entregou a um chauvinismo desmedido para defender Zidane. Ela se perguntou exaustivamente: Pourquoi? Muitos jornalistas o criticaram, como Cédric Callier que escreve que o craque estragou sua saída com o gesto intempestivo.
Apesar de condenar o excesso verbal que pode ter causado a reação inflamada de Zidane, Callier não desculpou o craque francês. Na terra de Descartes e do primado da razão, qualquer gesto impensado ou que demonstre falta de controle de si é visto como condenável. Callier não deixou de lembrar que Zidane levou 14 cartões vermelhos em sua carreira. Prova de que até mesmo um jogador que era a classe em pessoa pode perder o controle.
Inquérito sobre o caso
A Fifa anunciou a abertura de inquérito sobre o caso. Sem investigação poderia ficar a impressão que quem ofende não merece punição, apenas quem revida à provocação.
Para muitos, Zidane agiu como ser humano, falho, impulsivo e isso é bom para a imagem de quem estava sendo endeusado. Cresce o ser humano Zidade e diminui o semideus sem falha, sem mácula. Ele fica mais humano e menos herói mitológico.
Anúncio lembra racismo
Pena que exatamente na Copa que disse ‘Não ao racismo’ uma ofensa aparentemente de caráter racista tenha feito Zidane perder a cabeça.
A injusta expulsão não apenas roubou do mundo as últimas imagens do seu genial talento, mas favoreceu a Itália, país onde um livro anti-árabe de Oriana Fallacci, crivado de frases racistas, é best-seller.
Dentro desse contexto futebolístico, dois anúncios publicados no Le Monde valem a pena ser mencionados. Um pela ironia e fino senso de humor. Outro pela crítica ao racismo.
O primeiro, da água Evian, de página inteira continha o grito de torcedores em letras azuis sobre fundo branco: Allez les vieux!!! Com três exclamações e repetida dezenas de vezes. Depois a frase: ‘Obrigado e bravo por tudo o que vocês nos fizeram viver. Evian, declarada fonte de juventue para seu corpo’. Como se sabe, a idade avançada dos jogadores da seleção francesa foi muito criticada no início da Copa.
O outro anúncio é do Comité Catholique contre la Faim et pour le Développement. A foto mostra um menino negro num lugar muito pobre cabeceando uma bola de futebol e a legenda: ‘De qualquer forma, a verdadeira vitória seria que a França o aceitasse, mesmo se você não sabe jogar futebol’.
Um soco no estômago da França de Le Pen.