Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Os jornalistas e os desastres naturais e ambientais

As manchetes sobre o meio ambiente ganham destaque em períodos já esperados pelo público. Tomemos como modelo os primeiros meses do ano, no Sudeste do Brasil, quando a temporada de chuvas traz consigo enchentes e quedas de barreiras, com os litorais sofrendo deslizamentos cada vez mais intensos. São situações que geram um expressivo número de vítimas e se repetem já periodicamente. Os transbordamentos dos rios e os desmoronamentos nas regiões costeiras trazem, além de mortes e desaparecimentos, desalojamento e perdas irreparáveis, em particular para a população de baixa renda. Não podemos esquecer que também há o risco de essas pessoas ficarem suscetíveis às doenças que se proliferam com a sujeira trazida pelas enchentes e pela falta de água potável, entre outros fatores.

Nesses momentos, a cobertura jornalística revela os detalhes e entrevista as vítimas e alguns especialistas de forma sucinta, assim como o poder público discursa sobre a fatalidade dos terrenos na costa (frágeis e sujeitos a deslizamentos com as chuvas intensas), a ocupação desordenada dos morros e a urbanização irregular. Esse tipo de cobertura pontual, por vezes sensacionalista, não raramente retoma notícias anteriores como se a série de reportagens exibida integrasse uma roda de acontecimentos que, de tempos em tempos, volta à fatalidade inevitável.

Muitas vezes, deixa-se de se aprofundar nas causas dos desastres naturais e/ou ambientais, que vão desde a deficiência de investimentos públicos e privados para a prevenção de acidentes, considerando a falta de planejamento urbano, até à questão das mudanças climáticas. Estas origens são também as bases que confirmam a extensão do problema. Nos momentos de crise, o poder público até chega a ser cobrado diante das câmeras, microfones e celulares, porém, assim que a “água baixa, tudo parece voltar ao normal”. São poucos os seguimentos da imprensa que fazem uma cobertura que analise as medidas de prevenção e de contenção dessas tragédias, tampouco há uma proposição de soluções e uma cobrança contínua, particularmente, do setor público.

O que era para ser um jornalismo atento e vigilante segue um caminho de missão cumprida depois das coberturas de desastres naturais e/ou ambientais. É necessário lembrar que há, também, uma parcela significativa de jornalistas ambientais que realizam trabalhos impecáveis na sua área de atuação, contudo, a maioria deles trabalha fora da imprensa corporativa e seu alcance é mais restrito. Ainda assim, há algumas vozes importantes na grande mídia cobrindo pautas ambientais de forma analítica e com cuidado.

Vale recordar, então, a ética que envolve o trabalho do jornalismo ambiental, comprometido com o seu público e com a postura, ou melhor, o engajamento político, social e cultural. As pesquisas na área apontam caminhos a serem trilhados, quando feitas com isenção e sem participação no amplo jogo de interesses que cercam a pauta nesse setor. Este último alerta é do professor e pesquisador Wilson da Costa Bueno, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, revelado em seu artigo Jornalismo ambiental: explorando além do conceito, de 2007.

Na mesma linha, os pesquisadores Ilza Maria Tourinho Girardi, Reges Schwaab, Carine Massierer e Eloisa Beling Loose assinalam o papel social do jornalista ambiental ao reforçar, no artigo Caminhos e descaminhos do jornalismo ambiental, que: “O modo como o jornalista se relaciona com o mundo adquire alta relevância”. Há, porém, jornalistas especializados nessa área que se posicionam de outra forma, acreditando que o seu papel seja o de mostrar os fatos sem marcar um posicionamento.

Não é mais possível ao jornalismo ambiental ignorar os impactos das mudanças climáticas e, assim, noticiar o assunto somente na superfície do problema. Torna-se fundamental trazer à discussão o que está acontecendo ao redor do planeta, fruto do aquecimento global resultante de ações antrópicas. Somente dessa maneira o jornalista revela o compromisso da pauta ambiental para com o público que, por sua vez, tem direito à informação segura e de qualidade sobre os problemas climáticos reais que o cercam.

Já não é mais permitido destinar a maior parte do espaço dos periódicos apenas para assuntos superficiais, envolvendo celebridades do mundo artístico, esportivo e político, junto a pautas sensacionalistas, especialmente as matérias com “marcas de violência”. Para os editores dos principias periódicos, é fundamental trafegar por universos distintos, desde que não prejudiquem o interesse público e a cidadania, como já revelou o jornalista e pesquisador Enio Moraes Júnior, no livro Formação de jornalistas: elementos para uma pedagogia de ensino. Embora a pauta ambiental costume surgir na esteira de algum desequilíbrio – chuvas intensas, enchentes, secas prolongadas, incêndios descontrolados, entre outros –, o mergulho necessário e comprometimento do jornalista, nesse caso, não é a regra, valendo a máxima de que o interesse dos anunciantes impele uma cobertura que se mantenha à margem de pautas complexas e que envolvam interesses políticos e econômicos. Uma coisa é produzir matérias sensacionalistas sobre as tragédias ambientais sazonais (afinal, são chamarizes para o grande público e rendem uma venda extra); outra, é uma cobertura realista que mostre o caminho que estamos trilhando e aonde chegaremos, por fim. Vender um drama ocasional faz parte do show, porém, revelar a catástrofe que se aproxima para todos não é interessante para o mercado, que, aliás, é especialista em promover sonhos inalcançáveis, mas jamais revelar infortúnios iminentes. A causa ambiental é uma pauta que envolve a coletividade e, por isso, merece ampla discussão antes que certas ações causem danos irrecuperáveis.

Políticas públicas

O controle dos serviços básicos, como energia elétrica, água e saneamento, é uma dessas situações que merecem ser abordadas com atenção pelos jornalistas. A responsabilidade de quem administra e/ou fiscaliza esse sistema é complexa, porque pode tornar ainda maior o abismo entre a população carente e o acesso aos serviços essenciais. Gerir essa questão significa investir para a melhoria do sistema, além de incrementar o acesso cada vez maior e melhor à população.

Não enfrentar a situação é fácil para os governantes, que preferem repassar o problema para terceiros. O progresso só virá como fruto de responsabilidade e coragem para conduzir investimentos seguros em infraestrutura, o que não exclui a possibilidade de parcerias público-privadas.

A questão, agora, não é mais política, de quem é a favor ou contra, mas sim ideológica, porque o tema é salvar o planeta. A terceirização das águas é um assunto que tem ocupado as pautas ambientais ao redor do mundo, não somente considerando a comercialização desse recurso, como também sua poluição, tanto urbana como rural, além de seu uso descontrolado pela indústria e o agronegócio.

No Brasil, a polarização política, que já não é de hoje, desvia a atenção dos problemas sociais e ambientais. Com isso, essas questões ficam centralizadas junto aos interesses dos grupos de poder, sem um amplo debate que leve ao progresso e ao bem-estar da população. Em síntese, as informações que deveriam ser públicas acabam sendo privadas.

A sociedade clama por um jornalismo atuante nesta área, não só como divulgador científico, mas também com pautas que visem ao equilíbrio entre o homem, a máquina e a natureza. As questões sociopolíticas e ambientais necessitam de uma outra angulação, que vise ao esclarecimento dos direitos, deveres e benefícios dos envolvidos. Portanto, a administração dos serviços de saneamento básico precisa ser analisada com cuidado, por meio de reportagens e amplo debate, sem “deixar-se levar” por fatores externos e políticos, como promessas de campanha, pressão internacional, privatizações (mesmo em empresas públicas lucrativas) etc.

Fontes seguras para o jornalismo ambiental

Por meio de fontes com credibilidade, a missão do jornalista é, também, a de interpretar acordos e, assim, facilitar o entendimento das responsabilidades, seja do Estado, seja das empresas e dos cidadãos (agora clientes) diante da questão ambiental.

As fontes seguras são a matéria-prima do bom jornalismo e consultá-las sempre que possível torna a notícia ambiental confiável para o grande público, que passa não apenas a compreender melhor as questões que envolvem o meio ambiente, como também a compreender (e respeitar) as palavras de cientistas e especialistas no assunto.

Mesmo em um período de críticas infundadas à ciência, à educação e ao jornalismo no Brasil, é importante resgatar a respeitabilidade e a segurança apresentadas por fontes com credibilidade. Paralelamente, também é vital ouvir a população, principalmente a mais fragilizada pelos impactos ambientais pela comercialização dos sistemas básicos. São compromissos do jornalista, em particular, o jornalista ambiental.

Deixar o controle, especialmente sobre a natureza, somente nas mãos dos representantes eleitos pode ser extremamente perigoso, particularmente em um país já conhecido pela corrupção (compra de votos, obras superfaturadas, orçamento secreto, abuso de poder etc.) e demais problemas éticos e morais. Por isso, o debate com a participação de especialistas e representantes da sociedade civil é um fator primordial, inclusive, para auxiliar na tomada de decisões nos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Educação ambiental

Em 1996, o jornalista Alberto Dines (1932-2018) participou de uma palestra destinada aos alunos de graduação e pós-graduação na Universidade Metodista de São Paulo, a convite do professor José Marques de Melo (1943-2018). O tema da conferência era a releitura do livro O papel do jornal e a profissão de jornalista, escrito por Dines. A obra é considerada uma das principais referências para os estudiosos em comunicação no Brasil e, nesse contexto, junto com o autor, a questão ambiental tomou conta da discussão que partiu para a seguinte denotação: “Seria necessário discutir a raiz de um problema antes de qualquer julgamento”.

E foi assim que a conscientização e a educação ambiental começaram a ganhar adeptos nas escolas de jornalismo, graças ao professor Marques de Melo, intelectual que, com a ajuda de colegas como Wilson da Costa Bueno, transformou questões básicas em ponto de partida para a especialização no jornalismo. A partir desse momento, nenhum objeto de pesquisa seria tratado como irrelevante e, com isso, as Ciências da Comunicação ganharam status na academia brasileira. Logo depois, viveríamos o auge da pesquisa da área, com as mudanças ocorridas após o descontrole do final do regime militar e o início da redemocratização.

O jornalismo estava aceso e atuante também nas universidades públicas e privadas, ao contrário do que se observa hoje, com o fechamento e desmantelamento de cursos tradicionais de graduação e pós-graduação, como os da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e de São Paulo (Umesp), da Faculdade Cásper Libero, entre outros, que sofrem para se manterem ativos.

Com isso, milhares de docentes e pesquisadores de qualidade estão desempregados ou mesmo buscando outros meios de sobrevivência, inclusive, com o retorno ao ensino médio (que pode ser uma oportunidade de emprego importante com as alterações previstas pelo governo brasileiro).

O trabalho de educação e conscientização ambiental passa, obrigatoriamente, pelo jornalismo, com o nosso vocabulário incluindo palavras de ordem como: água mineral e/ou tratada; alimentos orgânicos; controle de pragas; cuidados referentes ao tabagismo e aos agrotóxicos; compostagem; controle e impacto das usinas hidroelétricas e nucleares; customização e consumo consciente; drástica diminuição do uso dos combustíveis fósseis; energias alternativas e renováveis (como a solar e a eólica); investimento em transporte público, especialmente o elétrico; praias e ruas limpas e planejadas; preservação de reservas; reciclagem, sustentabilidade; urbanização cidadã; entre outras diretrizes que ganham importância e vão sendo incorporadas ao nosso cotidiano.

A instalação de banheiros públicos, incluindo os químicos, além da despoluição dos nossos rios (como o Tietê e o Pinheiros, no caso da cidade de São Paulo), são pautas para serem abordadas com periodicidade pelos jornalistas e pelos cientistas. Ambas podem ser conduzidas como uma bandeira ecológica, em busca de um equilíbrio entre o ser humano e seu ambiente.

As universidades seriam, nesse conjunto, espaços de experimentação, com suas tentativas em desenvolver pesquisas e trazer soluções para o desperdício e o consumo exagerado, bem como para melhorar o nosso cotidiano. Porém, o que vivenciamos hoje é exatamente o contrário. Sentimos vergonha quando passamos pelas travessas das universidades públicas e observamos os nossos lixos transbordando de resíduos, sem o mínimo de cuidado. De onde estamos, primeiramente, a nossa política universitária precisaria buscar um atalho para servir de exemplo à sociedade.

Certa vez ouvimos de uma fonte que não adiantava adquirir lixeiras para a reciclagem seletiva (vidro, plástico, papel etc.) porque os responsáveis pelo recolhimento misturavam o lixo orgânico e o não orgânico. Um absurdo que fomenta a indignação sobre a irresponsabilidade. Parece até que os títulos (graduado, mestre, doutor, pós-doutor, livre-docente e titular, para parar por aqui) de nada adiantam para resolver o problema do lixo nas instituições.

O alerta está acionado e necessitamos iniciar um processo de reeducação já nos primeiros anos de sala de aula, com informações preliminares, como algumas já citadas, evitando um consumo descontrolado. Com isso, recursos naturais poderão ser preservados para podermos manter um equilíbrio na zona rural e urbana, especialmente nas grandes cidades (da nossa casa à rua), assim como curtir um passeio em meio à natureza, consumir produtos e recursos de boa qualidade e, assim, atenuarmos os desastres naturais e/ou ambientais. Esses pequenos esforços salvarão e criarão novos espaços de trabalho, especialmente na indústria e na agricultura, pois exigirão tecnologia de ponta, com impacto em todos os setores, da pesquisa à prestação de serviços.

A causa ambiental também conta com a presença de opositores, que proliferam utopias desenvolvimentistas. Vale tudo em prol da riqueza. Essa pauta paralela e recheada de falácia é outro desafio para os editores. Nesse caso, o jornalismo é uma arma poderosa para combater os discursos prontos e compostos com mentiras, especialmente quando o ambiente em que vivemos grita e pede socorro, como é o caso nos últimos anos, em decorrência do aquecimento global.

Ao contrário do que pensam os opositores da causa, a economia se alinha à pauta ambiental. Se não for assim, continuaremos convivendo com cidades sem luz, enchentes, tsunamis, produtos contaminados, pessoas doentes, povos destruídos, contaminação (vide os casos massivos de covid-19 e dengue), tragédias e mortes que poderiam ser evitadas.

Lutar pela vida pode até depender do ponto de vista de cada um, desde que seja possível enxergar o horizonte.

Texto publicado originalmente no Jornal da USP.

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Luciano Victor Barros Maluly é professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

Andreia Terzariol Couto é jornalista com pós-doutorado na ECA-USP